quarta-feira, novembro 19
RTP Internacional e a frustração de quem mora longe
Primeiro a confissão: a regular leitura de blogs contribuiu para me aproximar ainda mais de pessoas com quem mantinha laços de amizade e cumplicidades, mas também ajudou a mudar ideias feitas que tinha sobre outros com quem nunca tinha convivido e de quem conhecia apenas a persona mediática. Nesta última categoria encontra-se J. Pacheco Pereira. O seu ABRUPTO permitiu-me encontrar um JPP que desconhecia por completo. No blog encontrei um homem que aprendi a admirar, apesar de politicamente termos do mundo uma visão oposta.
Dito isto, leio no ABRUPTO um comentário de JPP com o qual não podia estar mais de acordo. Escreve ele sobre a RTP Internacional e a total ausência de senso comum e sentido de serviço público que presidem à sua programação:
“Volto à pátria por via televisiva. Procuro notícias, o telejornal, encontro um programa da RTP Internacional ainda mais bizarro do que o costume. Um filme português do tempo do PREC, que apanho no fim, numa cópia de tão má qualidade que quase nada se via no ecrã. Depois uma sucessão caótica de pequenos filmes sem nexo: uma Contra-Informação, uns spots musicais, um do Luís Represas, uns filmes turísticos sobre Portugal profundo, uns reclames repetidos n vezes sobre como era boa a televisão pública, outros sobre o "futebol de interesse público", quatro vezes o anúncio do programa do Francisco José Viegas. Parecia que alguém tinha deixado bocados de filme em piloto automático durante quase três horas. Nem uma palavra sobre quando é que passaria o telejornal, nem o que se passava com a programação. De repente, out of the blue, às 23,53, o telejornal.
Vim depois a saber que a RTP estava a transmitir um jogo de futebol, o enésimo, para Portugal, e a RTPI enchia o espaço com o que algum funcionário preguiçoso encontrava em arquivo. Nenhuma explicação, nenhum texto dizendo a que horas haveria programação normal, o que se estava a passar. O jogo, por sua vez, entre Portugal e França, era invisível aos emigrantes portugueses em França - eis o "futebol de interesse público". A completa falta de respeito da televisão pública para com os emigrantes. Inimaginável.”
Há quase 10 anos que deixei Portugal. Morando actualmente em Los Angeles, na Califórnia, confesso, recorro de quando em vez à RTP Internacional em busca de um cordão umbilical à pátria. Mas, como escreve JPP, “voltar à pátria por via televisiva” acarreta elevados custos. Imagine-se o que é procurar a nossa “inner-portugalidade”, da única forma audiovisual possível a esta distância, e deparar com chorrilhos de pimbalhice e remakes portuguesas abastardadas de sitcoms americanas dos anos 50 e 60. Para já não falar das constantes alterações de programação, feitas sem que o espectador tenha a mínima ideia do que aconteceu ao programa que estava à espera de encontrar quando ligou a TV.
Seriam precisos megabytes e megabytes de blog para exemplificar a falta de estratégia programática da RTPI e a sua total falta de sensibilidade quanto às necessidades dos seus utentes televisivos. É claro que muito disto tem a ver com o sentimento há muito enraizado de preconceito em relação aos emigrantes reduzido ao silogismo “emigrante logo pimba”. Durante muito tempo, isto fez da RTPI uma versão televisiva das cassetes pirata vendidas nas feiras de província. A RTPI, durante os últimos anos, também pouco mais foi do que uma versão “digest” da RTP nacional, de onde o sentido de serviço público andou sempre arredado.
É certo que as coisas começaram a mudar de há uns meses para cá. Hoje são exibidos magazines temáticos sobre várias comunidades emigrantes (Canadá, África do Sul, etc.), mas será mesmo isso que os portugueses que estão no estrangeiro precisam de ver na versão internacional da televisão estatal? Na verdade muitas destas comunidades têm acesso fácil a meios de comunicação locais (jornais, rádios, mesmo televisão) onde publicitam e noticiam as suas actividades.
Confesso que pertenço ao grupo de ingénuos que acredita na função pedagógica da televisão, especialmente de uma televisão de serviço público de alcance internacional. Como pode, por exemplo, a actual RTPI cativar a atenção dos luso-descendentes californianos, alguns de segunda ou terceira geração, que apesar de sentirem uma ligação a Portugal não falam uma palavra de português? Não deveria ser essa uma das vocações da RTPI? Promover a extensão do sentido de portugalidade e a imagem de Portugal deviam ser objectivos orientadores da RTPI, mas basta olhar para a sua programação actual para ver que se está bem longe disso.
Será que os responsáveis pela nossa RTPI não olharam nunca para o que fazem os canais internacionais das suas congéneres europeias? TVE, TV5, etc.?
E depois há o eterno problema colocado por JPP no seu blog: os programas mudados à pressa e que raramente são emitidos às horas anunciadas.
Às vezes penso que sou eu que estou mal habituado, pelo menos no que toca ao respeito pelos espectadores. Com todos os defeitos que a televisão americana pode ter (e acreditem que a lista seria bastante longa), a forte competição entre estações criou regras rígidas destinadas a criar hábitos definidos entre aqueles que escolhem a estação. Uma delas é a rotina. Não é preciso ser um génio para perceber que a rotina é a primeira regra de fidelização dos espectadores. Saber que o programa “X” passa às tantas horas faz mais pelas audiências do que milhões em publicidade. Por aqui, os espectadores habituaram-se a ver os programas começados apenas às horas certas (20:00h; 22:00h, etc.) e às meias horas (20:30h, 22:30h, etc.), o que por si só é infinitamente melhor do que ter de memorizar que um programa começa às 18:34h...
Já desisti de ficar frustrado com a RTPI, mas ainda me irrito sempre que a minha tentativa de “voltar à pátria por via televisiva” não é correspondida. “Porque raio estás tu a ver televisão mexicana?”, perguntou-me há algum tempo a minha amada e futura mulher, que não fala português, quando me apanhou a meio de um pretenso programa cómico da RTPI onde a ideia de comédia era transmitida aos gritos e por “laugh tracks” despropositadas.
No final. Com um suspiro intermitente, pego no controlo remoto e mudo para o canal 764 que a Adelphia de West Hollywood me concede. Finalmente volto “à Europa por via televisiva”... graças à TV5. Merci!
Dito isto, leio no ABRUPTO um comentário de JPP com o qual não podia estar mais de acordo. Escreve ele sobre a RTP Internacional e a total ausência de senso comum e sentido de serviço público que presidem à sua programação:
“Volto à pátria por via televisiva. Procuro notícias, o telejornal, encontro um programa da RTP Internacional ainda mais bizarro do que o costume. Um filme português do tempo do PREC, que apanho no fim, numa cópia de tão má qualidade que quase nada se via no ecrã. Depois uma sucessão caótica de pequenos filmes sem nexo: uma Contra-Informação, uns spots musicais, um do Luís Represas, uns filmes turísticos sobre Portugal profundo, uns reclames repetidos n vezes sobre como era boa a televisão pública, outros sobre o "futebol de interesse público", quatro vezes o anúncio do programa do Francisco José Viegas. Parecia que alguém tinha deixado bocados de filme em piloto automático durante quase três horas. Nem uma palavra sobre quando é que passaria o telejornal, nem o que se passava com a programação. De repente, out of the blue, às 23,53, o telejornal.
Vim depois a saber que a RTP estava a transmitir um jogo de futebol, o enésimo, para Portugal, e a RTPI enchia o espaço com o que algum funcionário preguiçoso encontrava em arquivo. Nenhuma explicação, nenhum texto dizendo a que horas haveria programação normal, o que se estava a passar. O jogo, por sua vez, entre Portugal e França, era invisível aos emigrantes portugueses em França - eis o "futebol de interesse público". A completa falta de respeito da televisão pública para com os emigrantes. Inimaginável.”
Há quase 10 anos que deixei Portugal. Morando actualmente em Los Angeles, na Califórnia, confesso, recorro de quando em vez à RTP Internacional em busca de um cordão umbilical à pátria. Mas, como escreve JPP, “voltar à pátria por via televisiva” acarreta elevados custos. Imagine-se o que é procurar a nossa “inner-portugalidade”, da única forma audiovisual possível a esta distância, e deparar com chorrilhos de pimbalhice e remakes portuguesas abastardadas de sitcoms americanas dos anos 50 e 60. Para já não falar das constantes alterações de programação, feitas sem que o espectador tenha a mínima ideia do que aconteceu ao programa que estava à espera de encontrar quando ligou a TV.
Seriam precisos megabytes e megabytes de blog para exemplificar a falta de estratégia programática da RTPI e a sua total falta de sensibilidade quanto às necessidades dos seus utentes televisivos. É claro que muito disto tem a ver com o sentimento há muito enraizado de preconceito em relação aos emigrantes reduzido ao silogismo “emigrante logo pimba”. Durante muito tempo, isto fez da RTPI uma versão televisiva das cassetes pirata vendidas nas feiras de província. A RTPI, durante os últimos anos, também pouco mais foi do que uma versão “digest” da RTP nacional, de onde o sentido de serviço público andou sempre arredado.
É certo que as coisas começaram a mudar de há uns meses para cá. Hoje são exibidos magazines temáticos sobre várias comunidades emigrantes (Canadá, África do Sul, etc.), mas será mesmo isso que os portugueses que estão no estrangeiro precisam de ver na versão internacional da televisão estatal? Na verdade muitas destas comunidades têm acesso fácil a meios de comunicação locais (jornais, rádios, mesmo televisão) onde publicitam e noticiam as suas actividades.
Confesso que pertenço ao grupo de ingénuos que acredita na função pedagógica da televisão, especialmente de uma televisão de serviço público de alcance internacional. Como pode, por exemplo, a actual RTPI cativar a atenção dos luso-descendentes californianos, alguns de segunda ou terceira geração, que apesar de sentirem uma ligação a Portugal não falam uma palavra de português? Não deveria ser essa uma das vocações da RTPI? Promover a extensão do sentido de portugalidade e a imagem de Portugal deviam ser objectivos orientadores da RTPI, mas basta olhar para a sua programação actual para ver que se está bem longe disso.
Será que os responsáveis pela nossa RTPI não olharam nunca para o que fazem os canais internacionais das suas congéneres europeias? TVE, TV5, etc.?
E depois há o eterno problema colocado por JPP no seu blog: os programas mudados à pressa e que raramente são emitidos às horas anunciadas.
Às vezes penso que sou eu que estou mal habituado, pelo menos no que toca ao respeito pelos espectadores. Com todos os defeitos que a televisão americana pode ter (e acreditem que a lista seria bastante longa), a forte competição entre estações criou regras rígidas destinadas a criar hábitos definidos entre aqueles que escolhem a estação. Uma delas é a rotina. Não é preciso ser um génio para perceber que a rotina é a primeira regra de fidelização dos espectadores. Saber que o programa “X” passa às tantas horas faz mais pelas audiências do que milhões em publicidade. Por aqui, os espectadores habituaram-se a ver os programas começados apenas às horas certas (20:00h; 22:00h, etc.) e às meias horas (20:30h, 22:30h, etc.), o que por si só é infinitamente melhor do que ter de memorizar que um programa começa às 18:34h...
Já desisti de ficar frustrado com a RTPI, mas ainda me irrito sempre que a minha tentativa de “voltar à pátria por via televisiva” não é correspondida. “Porque raio estás tu a ver televisão mexicana?”, perguntou-me há algum tempo a minha amada e futura mulher, que não fala português, quando me apanhou a meio de um pretenso programa cómico da RTPI onde a ideia de comédia era transmitida aos gritos e por “laugh tracks” despropositadas.
No final. Com um suspiro intermitente, pego no controlo remoto e mudo para o canal 764 que a Adelphia de West Hollywood me concede. Finalmente volto “à Europa por via televisiva”... graças à TV5. Merci!
Shalom Ana!
Obrigado Ana por teres passado pela Rua da Judiaria e pela referência amiga que fazes nas tuas Crónicas Matinais. Todá rabá!
Obrigado Ana por teres passado pela Rua da Judiaria e pela referência amiga que fazes nas tuas Crónicas Matinais. Todá rabá!