terça-feira, novembro 25
"Mostrem a estrela amarela com orgulho!"
Foi este o título que o líder judeu alemão Robert Weltsch deu a um editorial escrito a 4 Abril de 1933 em resposta ao boicote às lojas judias decretado pelos nazis assim que Hitler tomou o poder.
Quando a Estrela de David era imposta pelos nazis como forma de humilhação, o editorial de Weltsch no Juedische Rundschau apelava aos judeus para terem orgulho no seu judaísmo, em vez de se deixarem vencer pela perseguição. Na opinião de muitos, a exortação de Robert Weltsch contribuiu para elevar a moral da debilitada comunidade judaica alemã. Anos mais tarde, já após o final da guerra, Weltsch confessaria que se arrependia amargamente de ter escrito aquelas famosas palavras. Em vez de lutar para que os judeus conservassem o seu orgulho, disse ele, deveria tê-los encorajado a deixar a Alemanha.
Serve esta entrada para voltar ao tema dos kippot, desaconselhados pelo rabinato de Paris por serem visíveis “sinais exteriores de judaísmo”, isto numa altura em que o antisemitismo vai crescendo em França.
Devem os judeus procurar ocultar o mais possível a sua identidade ou, como exortava Robert Weltsch em 1933, mostrar o kippah “com orgulho”?
Primeiro as citações:
No Aviz de referência obrigatória escreve o Francisco José Viegas: “(...) tenho dúvidas sobre a declaração do rabino-chefe de Paris; por um lado, alerta para um perigo real de que há provas substanciais; por outro, fomenta o desejo de vitimização e aceita a intimidação. Não sei, não sei.”
No Crónicas Matinais, Ana Albergaria conta a sua experiência no terreno – que sendo judia e morando em Paris se traduz num registo imensamente pessoal e comovente. Escreve a Ana: “Mas mais importante que isso, muito, mas muito mais importante, é o facto de assistir – cada vez mais – a esses actos locais de anti-semitismo. Ainda a semana passada, no comboio, vinham dois senhores com o Kippah, a ler muito sossegados, e um grupo de marginais começou a insultá-los. Um deles cuspiu mesmo ao mais novo dos dois. Eles não abriram a boca. Nem eu. Não vale a pena, isto é diário. Em todos os comboios. Em qualquer lado. Perante a indiferença dos restantes passageiros. Ficaram eles, e eu, com os olhos húmidos. Senti-me muito cobarde, mas acho que não sou. Nem eu nem aqueles meus dois irmãos judeus. Apenas realistas.”
A Ana conta mais episódios chocantes vividos na primeira pessoa. Vale bem a pena ler as Crónicas Matinais.
O Francisco José Viegas tem razão quanto à dificuldade que a questão coloca, quanto mais não seja em termos quotidianos. A fuga e a quase constante necessidade de se diluir no colectivo, seja ele qual for, está quase gravada no código genético do povo judeu. Isto é verdade na história da minha família em Portugal, obrigada a fingir-se católica durante quinhentos anos enquanto o judaísmo continuava vivo na alma e dentro de casa. É também verdade na família de judeus polacos e ucranianos da minha namorada, onde desde pequeno se era educado a ter apenas quanta roupa e livros coubessem numa mala, não fosse surgir a qualquer momento a necessidade de ter de escapar a um qualquer pogrom.
Por tudo isto, o caso presente é uma questão que transcende os limites restritos da comunidade judaica francesa. O antisemitismo tem de ser assumido pela Europa global – como noutro contexto referia ontem o sempre atento Homem a Dias.
Jean-Paul Sartre, que não era judeu, traçou em 1946 um retrato perfeito do antisemitismo – e em particular do caso francês. Num livro intitulado Réflexions sur la Question Juive Sartre concluía (vão-me perdoar mas vou citar a edição que tenho... a americana da Random House.. é um pouco extenso mas vale a pena):
“Antisemitism is a problem that affects us all directly; we are all bound to the Jew, because antisemitism leads straight to National Socialism. And if we do not respect the person of the Israelite, who will respect us? If we are conscious of these dangers, if we have lived in shame because of our involuntary complicity with the antisemites, who have made hangman of us all, perhaps we shall begin to understand that we must fight for the Jew, no more and no less then for ourselves.
I am told that a Jewish league against antisemitism has just been constituted. I am delighted; that proves that the sense of authenticity is developing among the Jews. But can such league be really effective? Many Jews, and some of the best among them, hesitate to participate because of a sort of modesty: ‘That’s biting off too much”, one of them said to me recently. And he added, rather clumsily but with undoubted sincerity and modesty: ‘Antisemitism and persecution are not important.’
It is easy enough to understand this repugnance. But we who are not Jews, should we share it? Richard Wright, the Negro writer, said recently: ’There is no Negro problem in the United States, there is only a White problem.’ In the same way we must say that antisemitism is not a Jewish problem; it is our problem. Since we are not guilty and yet run the risk of being it’s victims – yes, we too – we must be very blind indeed not to see that is our concern in the highest degree. It is not up to the Jews first of all to form a league against antisemitism; it is up to us.
(...)The cause of the Jews would have been half won if only their friends brought to their defense a little of the passion and the perseverance their enemies use to bring them down.
(...)What must be done is to point out to each one that the fate of the Jews is his fate. Not one Frenchman will be free so long as the Jews do not enjoy the fullness of their rights. Not one Frenchman will be secure so long as a single Jew – in France and in the world at large – can fear for his life.”
A minha referência de domingo tinha a ver com isto mesmo. Se serve para figurar no Tratado Constitucional Europeu, o tal mito da tradição judaico-cristã, da tal interligação de culturas e povos, não deveria antes servir para defender pessoas de carne e osso quando elas precisam de ser defendidas?
A Ana Albergaria, no pedaço de texto que citei, diz que se sentiu cobarde. Ela não tem nada que se sentir cobarde. A cobardia é da França em peso. Os homens franceses deviam andar hoje todos de kippot na cabeça!
*Citação do Dia*
“Primeiro vieram prender os comunistas, e eu não levantei a minha voz porque não era comunista. Depois vieram prender os sindicalistas e os socialistas, e eu não levantei a minha voz porque não era nem uma coisa nem outra. Depois vieram prender os judeus, e eu não levantei a minha voz porque não era judeu. Depois vieram prender-me e já não restava ninguém para levantar a voz por mim.”
Excerto de um sermão do pastor Luterano alemão Martin Niemöller, preso a 1 de Julho de 1937 pelas autoridades nazis e posteriormente enviado para os campo de concentração de Sachsenhausen e Dachau. Sobrevivendo aos horrores da guerra, Niemoller morreu, aos 92 anos, em Wiesbaden, na então R.F.A., a 6 de Março de 1984.