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quarta-feira, abril 28

Pomposidades Viagens na Blogolândia II

“Expressões e palavras a abandonar”

Foi com uma série de posts com este título, na sua brilhante Bomba Inteligente, que a Charlotte lançou um repto que pegou como fogo na pradaria pela blogolândia.
O desafio de limpar a língua corrente de detritos foi aceite, complementado e comentado nos blogs The World as We Know It, Azul Limão, à Deriva, My Moleskine, Ad Libitum, O Acidental, What do you represent, Mar Salgado, No Quinto dos Impérios, Homem a Dias, Contra a Corrente, Mood Swing e Miniscente.
Antes de prosseguir, convém aqui confessar que nunca me chocaram utilizações inventivas da língua de Luís de Camões, João Ubaldo Ribeiro e da mãe de John dos Passos. Choca-me muito mais o atavismo luso, que leva muitos a recusarem ler livros em excelentes edições brasileiras, só porque nelas se troca “acto” por “ato” e “facto” por “fato”. Já li críticos conceituados, de diários lisboetas de referência, a menosprezarem “brasileirismos” em livros... impressos no Brasil. Pois. Mas essa é matéria para outros posts – quem quiser ler mais sobre o tema, pode visitar o Aviz, onde o Francisco José Viegas escreveu já extensamente sobre o assunto.
Regressando às palavras e expressões que a nossa Charlotte gostaria de ver abandonadas, tendo a concordar com a maioria delas. De todas as entradas sugeridas pelos blogistas, foi a do Rodrigo Moita de Deus, no seu Segundo Sentido, que mais me deixou a pensar. Escreve ele:
Oiço alguém falar. Eu queria, eu gostava, eu tenho, eu faço, eu aconteço eu, eu, eu, eu… e que tal abolir também o excessivo culto de personalidade?
Concordo com o Rodrigo, não pela linguística estrita, mas pelo aspecto ético. A minha proposta de adenda para erradicação vocabular entra também por este caminho. Mas mais do que o auto-engrandecimento contido nestas expressões, proponho que se abandone o maior exemplo de lambe-botismo entranhado na alma lusitana: o "senhor(a) doutor(a)" aplicado de rajada a toda a gente que tenha completado um ano na universidade.
Este senhor doutor é um exemplo ainda vivo de provincianismo novecentista queiroziano, cultivado até à exaustão pelos meus camaradas dos media, para quem qualquer político é senhor doutor.
Na Europa não me lembro de equivalentes (talvez à excepção da Itália). No resto do mundo apenas existe o culto do título académico na América Latina, e mesmo assim no Brasil a culpa é toda nossa, por via da herança colonial. No México, na Bolívia e no Peru, por exemplo, os presidentes, senadores e deputados são tratados por “licenciados”, uma expressão igualmente pomposa, mas pelo menos mais verdadeira.
Aqui estou completamente de acordo com os anglo-saxónicos: doutor só o médico, e mesmo assim em moderação (apenas no consultório). Os americanos abrem também uma excepção para os teólogos. Na América, os reverendos pastores são também doutores. Mas os encómios honoríficos ficam-se por ai. Senhor e senhora chegam-lhes perfeitamente. E para nós, portugueses, deveriam chegar também.
Em contrapartida, Portugal é o único país onde “engenheiro” e “arquitecto” são títulos passíveis de utilização em conversas normais para apresentar alguém: “Este é o senhor engenheiro. Senhor engenheiro, apresento-lhe o senhor arquitecto.” Lindo.
Que se abandone o senhor doutor, o senhor engenheiro e o senhor arquitecto. Mas especialmente o senhor doutor. Digo eu.
Fica já aqui uma promessa: o primeiro que me chame senhor doutor – e o disser assim, sem ironia, mesmo depois do doutoramento –, parafraseando um escritor brasileiro de quem muito gosto, “cascudo nele”!