<$BlogRSDUrl$>

domingo, dezembro 7

Ainda a Polémica do Relatório Sobre o Antisemitismo
"Il ne s’agit pas là d’une opinion mais d’un délit."
Jean Paul Sartre, Réflexions sur la Question Juive, 1946, escrevendo sobre o antisemitismo.

O relatório sobre o antisemitismo na Europa, suprimido pelo European Monitoring Center on Racism and Xenophobia, voltou a dar que falar na blogosfera. O Terras do Nunca reagiu e criticou a forma como o relatório foi aqui referido. O Francisco José Viegas respondeu, e de forma brilhante, no Aviz.
Como a reacção do João no Terras do Nunca parece indiciar, o antisemitismo – a palavra em si – tornou-se um tabu. “Sinceramente, não percebo porque se está a tentar fazer uma tempestade num copo de água”, escreve ele, dizendo que depois de ler o relatório acha justificada a sua não publicação, isto porque cometia um “erro” de fundo: “a sistemática confusão entre anti-semitismo e anti-Israel (e, quando falo de anti-Israel, falo de oposição a políticas concretas do estado de Israel e não de oposição ao Estado de Israel)”, diz o Terras do Nunca. Mas não é isto que o relatório conta. Antes pelo contrário.

“In the public domain in Spain, France, Italy and Sweden, sections of the political left and Arab-Muslim groups unified to stage pro-Palestinian demonstrations. While the right to demonstrate is of course a civil right, and these demonstrations are not intrinsically anti-Semitic, at some of these, anti-Semitic slogans could be heard and placards seen; and some demonstrations resulted in attacks upon Jews or Jewish institutions. In the Netherlands pro-Palestine demonstrators of Moroccan origin used anti-Semitic symbols and slogans. In Finland however, pro-Palestinian demonstrations passed without any anti-Semitic incidents. In Germany, and less so in Austria, public political discourse was dominated by a debate on the link between Israeli policy in the Middle East conflict and anti-Semitism, a debate in which the cultural and political elite were involved.”

Esta citação é extraída do ”Executive Summary” do relatório a que o João se refere. Quando realmente se lê o relatório, o argumento do João esfuma-se, transformando-se em pouco mais do que um reflexo condicionado aparentemente gerado pela discussão levantada em torno do que é ou não é o antisemitismo.
Ao contrário do que o João infere no post do Terras do Nunca, a esmagadora maioria dos casos de antisemitismo referenciados no relatório nada tem a ver com uma eventual confusão com “oposição a políticas concretas do estado de Israel”.

Physical attacks on Jews and the desecration and destruction of synagogues were acts often committed by young Muslim perpetrators in the monitoring period. Many of these attacks occurred either during or after pro-Palestinian demonstrations, which were also used by radical Islamists for hurling verbal abuse. In addition, radical Islamist circles were responsible for placing anti-Semitic propaganda on the Internet and in Arab-language media.

Nada disto me parece uma mera confusão entre “antisemitismo e oposição a políticas concretas do estado de Israel”. Uma coisa são legítimas manifestações contra a situação em que vive o povo palestiniano – e para que conste, aqui fica escrito que apoio e sempre apoiei a criação de um estado palestiniano –, outra é quando algumas destas manifestações descambam em quasi-pogroms. Quando isto acontece, o visado não é o estado de Israel mas sim pessoas, homens e mulheres – cidadãos da Europa – , que são insultados por causa da sua aparência exterior religiosa, que vêem os seus lugares de culto vandalizados e as sepulturas dos seus cemitérios profanadas. Que tem isto a ver com um conflito político ou com a luta pela libertação de um povo? Nada, digo eu.
Mas o relatório dá ainda conta de casos concretos que não têm nada a ver com o conflito israelo-palestiniano:

Desecration of synagogues, cemeteries, swastika graffiti, threatening and insulting mail as well as the denial of the Holocaust as a theme, particularly on the Internet. These are the forms of action to be primarily assigned to the far-right.

Não quero transformar esta prosa num texto laudatório em relação relatório, até porque ele pouco ou nada traz de novo em relação ao que já se sabia. Também não pretendo que isto seja interpretado como um ataque ao Terras do Nunca, um blog que leio regularmente e com o qual, em regra, até tendo a concordar. Leiam-no apenas por aquilo que pretende ser: uma contribuição para um debate que merece espaço.
Tal como o Francisco José Viegas referiu já vezes sem conta no Aviz, importa, de facto, fazer uma distinção concreta entre o antisemitismo e as críticas a Israel. Totalmente de acordo. Mas, como ele próprio também já escreveu – e como de alguma forma transparece também no relatório acima mencionado –, a linguagem de uma e outra coisa tende por vezes a fundir-se num perigoso cocktail. O problema aqui é de discurso. De semântica e semiótica. Desde já prometo voltar aqui a abordar a “linguagem” do conflito israelo-palestiniano e as implícitas nesgas de antisemitismo que por vezes dela transpiram.
Mas, acima de tudo, partilho com o Francisco a preocupação face à indiferença com que o fenómeno continua a ser visto na Europa. Na minha opinião, é neste contexto que a recusa do European Monitoring Center on Racism and Xenophobia em publicar este relatório deve ser lida.