segunda-feira, janeiro 12
Contribuições para a
História Judaica de Portugal – III
Em 2004 celebram-se 350 anos sobre a chegada dos primeiros emigrantes judeus à colónia holandesa de Nova Amsterdão, na ilha de Manhattan (actual Nova Iorque). Fugidos da Inquisição no Brasil (Recife), os primeiros 23 emigrantes judeus a chegar à América eram portugueses. (ver "Conexão Recife – Manhattan", um artigo da revista brasileira Época).
Apesar da oposição inicial do governador Peter Stuyvesant, o governo holandês contrariou-o e concedeu aos judeus portugueses permissão para se instalarem na colónia.
A primeira sinagoga construída no novo mundo foi a Shearith Israel (cerca de 1706), de Nova Iorque, que ainda hoje existe e mantém a designação de “Sinagoga Portuguesa e Espanhola".
A comunidade floresceu com o correr dos anos e a aparente tolerância religiosa das Américas continuou a atrair judeus de todo o mundo, incluindo muitas famílias portuguesas que entretanto tinham emigrado para Inglaterra, Holanda e Brasil.
Apesar de pouco divulgada entre nós, a presença dos judeus portugueses na América deixaria uma marca indelével na história do país.
Entre os judeus portugueses que ascenderam à notoriedade em terras americanas destaca-se a família Mendes Seixas, levada de Lisboa para Nova Iorque pela mão do patriarca Isaac Mendes Seixas em 1730.
O filho mais velho, Gershom Mendes Seixas (1745-1816), conhecido como o “primeiro rabino do Novo Mundo”, era amigo pessoal de George Washington e foi um dos três representantes do clero presentes na cerimónia de tomada de posse do primeiro presidente americano, em 1787.
Quando o rabino Gershom morreu, a Câmara de Nova Iorque decretou luto municipal e o conselho de reitores da Universidade de Columbia abriu concurso público para que se fizesse uma medalha comemorativa com o seu busto. Tido como um exemplo de tolerância – contava com amigos entre os mais respeitados pastores protestantes da cidade – e serviço público, a American Jewish Historical Society considera ainda hoje Gershom “um modelo para os rabinos americanos contemporâneos”.
Além de Gershom, outros Mendes Seixas viram os seus nomes elevados a figuras de relevo da História americana: Abraão Mendes Seixas (1751-99) foi oficial no exército revolucionário de Washington; Benjamin Mendes Seixas (1748-1817) foi um dos fundadores da Bolsa de Valores de Nova Iorque – ao lado Isaac Gomes, outro judeu português –; Moisés Mendes Seixas (1744-1809) tornou-se um dos organizadores do Banco de Rhode Island – percursor da actual Reserva Federal – e presidente da histórica sinagoga de Newport. O filho de Gershom, David Mendes Seixas fundou o Instituto de Surdos Mudos de Filadélfia e foi um inventor prolífico, descobrindo, entre outras, formas mais eficientes de queimar carvão mineral.
A História americana destaca também o nome de Aaron Lopes, um judeu português de origem cripto-judaica (conhecido em Portugal como D. Duarte Lopes) nascido em Lisboa em 1731 que ainda criança viajara com a família para a América. Armador estabelecido na cidade de Newport, em Rhode Island, Aaron Lopes era dono de 30 navios transatlânticos e 100 embarcações costeiras que permitiram abastecer o exército revolucionário de George Washington, apesar da enorme pressão da coroa britânica.
Francis Salvador e Benjamin Nunes, outros dois judeus de ascendência portuguesa, foram de Inglaterra e França, respectivamente, para lutar ao lado das tropas revolucionárias. Francis Salvador seria mais tarde escolhido para integrar o Congresso Provisório da Carolina do Sul, em 1774, e foi também o primeiro patriota morto pelas tropas britânicas. Benjamin Nunes, que durante a guerra ascendera ao cargo de major, tornou-se membro da Câmara dos Representantes do recém formado país. Entre os judeus portugueses que combateram ao lado dos revolucionários americanos contam-se ainda os irmãos Jacob e Salomão Pinto, que em 1750 se estabeleceram na cidade de New Haven.
Por alturas da Guerra de Independência, estima-se que existissem já largas centenas de emigrantes portugueses na colónia, a esmagadora maioria destes de origem judaica. Cerca de 20% dos marinheiros do primeiro navio de guerra a hastear a bandeira americana, o Bonhomme Richard, capitaneado por John Paul Jones, eram portugueses.
O aniversário da chegada, em 1654, dos primeiros judeus portugueses à América vai ser assinalado este ano nos EUA pelo semanário Forward, de Nova Iorque. Na última edição é de ler um artigo assinado pela juíza do Supremo Tribunal de Justiça Ruth Bader Ginsburg, intitulado Recordando os Cinco Juizes Judeus do Supremo. Entre os nomes citados encontra-se outro descendente de judeus portugueses: Benjamin Cardozo, nomeado pelo presidente Hebert Hoover em 1932.