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domingo, maio 9

"Como elRei mandou degollar dous seus criados, porque roubarom huum judeu e o matarom"


D. Pedro I, o Juticeiro“Este Rei Dom Pedro em quanto viveo, husou muito de justiça sem afeiçom, teendo tal igualdade em fazer direito, que a nenhuum perdoava os erros que fazia, por criaçom nem bem querença que com el ouvesse; e se dizem que aquel he bem aventurado Rei, que per si escodrinha os malles e forças que fazem os pobres, e bem he este do conto de taaes, ca el era ledo de os ouvir, e folgava em lhes fazer direito, de guisa que todos viviam em paz, e era ainda tam zeloso de fazer justiça, espeçiallmente dos que travessos eram, que perante si os mandava meter a tormento, e se confessar nom queriam, el se desvestia de seus reaaes panos, e per sua maão açoutava os malfeitores, e pero que dello muito prasmavom seus conselheiros e outros alguuns, anojavasse de os ouvir, e nom o podiam quitar dello per nenhuuma guisa. (...) Assi aveo que pousando el nos paaços de Bellas que el fezera, dous seus escudeiros que gram tempo avia que com el viviam, seendo ambos parceiros ouverom comselho que fossem roubar huum Judeu que pelos montes andava vendendo speçearia, e outras cousas, e foi assi de feito, que forom buscar aquella çuja prea e roubaromno de todo, e o peor desto, foi morto per elles; sua ventura que lhe foi contraira, aazou de tal guisa que forom logo presos e tragidos a elRei ali hu pausava. ElRei como os vio tomou gram prazer por seerem filhados, e começouhos de preguntar como fora aquello, elles pensando que longa criaçom e serviço que lhe feito aviam, o demovesse a ter alguum geito com elles, nom tal como tiinha com outras pessoas, começarom de negar, dizendo que de tal cousa nom sabiam parte. El que sabia ja de que guisa fora, disse que nom aviam por que mais negar, que ou confessassem como ho matarom, se nom que a poder de cruees açoutes lhe faria dizer a verdade: elles em negando, virom que elRei queria poer em obra o que lhe per pallavra dizia, comfessarom todo assi como fora; e elRei sorrindosse disse que fezerom bem, que tomar queriam mester de ladroões e matar homeens pelos caminhos, de se ensinarem primeiro dos Judeus, e depois viinriam aos Christãos; e em dizendo estas e outras palavras passeava perantelles dhuma parte aa outra, e parece que nenbrando-lhe a criaçom que em elles fezera e como os queria mandar matar, viinham-lhe as lagrimas aos olhos per vezes; depois tornava asperamente contra elles reprendendoos muito do que feito aviam, e assi andou per huum grande espaço. Os que hi estavam que aquesto viam, sospeitando mal de suas razoões, aficavamse muito a pedir merçee por elles, dizendo que por huum Judeu astroso nom era bem morrerem taaes homeens, e que bem era de os castigar per degredo, ou outra alguuma pena, mas nom mostrar contra aquelles que criara pello primeiro erro tam grande crueza. ElRei ouvindo todos respondia sempre que dos Judeos viinriam depois aos Christaãos, en fim destas e outras razoões, mandou que os degollassem, e foi assi feito.”

Fernão Lopes (1380– 1460), Crónica de D. Pedro I

Nota – O relato do cronista é demonstrativo da mentalidade cristã medieval e do comportamento geral em relação aos judeus portugueses. A pesada pena de morte – uma punição normal para a época, mesmo para pequenos delitos contra a propriedade (roubo de galinhas, por exemplo) – é imposta pelo rei aos escudeiros não por eles terem morto o vendedor de especiarias judeu em questão, mas porque “poderiam depois vir a matar cristãos”. Assim era a justiça de D. Pedro I, “O Justiceiro”. De notar ainda a defesa dos escudeiros feita pelos conselheiros, que diziam ao rei: “por um maldito judeu não era bem morrerem tais homens.”

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