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sexta-feira, maio 7

Judeus Secretos e o Aperto de Mão


JUDEU – Óleo sobre madeira de Vasco Fernandes.       Primeira metade do séc. XVI. Museu Nacional de Arte Antiga Os portugueses têm o estranho costume de não “cruzar” apertos de mão. Isto é, quando quatro pessoas se cumprimentam simultaneamente, tenta evitar-se que os braços se intersectem durante o aperto de mão, formando uma cruz. Quando confrontados por estrangeiros perplexos, desconhecedores do costume, em regra, os portugueses não sabem explicar a razão de ser desta tradição, relegando-a para a vasta categoria das “superstições populares”.
Na verdade, a origem do estranho gesto remonta aos finais do século XV, altura em que os judeus portugueses foram forçados a converter-se ao catolicismo sob pena de morte. Para muitos, a conversão assumiu apenas um aspecto exterior, continuando o judaísmo a ser praticado dentro de casa, de forma secreta e escondida. Vários historiadores compilaram listas de orações criptojudaicas quinhentistas – algumas sobreviveram até aos nossos dias na comunidade de Belmonte – que denotam uma tentativa de manter viva a ligação ao judaísmo. A mais conhecida será a oração dita pelos cristão-novos/criptojudeus ao entrar numa igreja: “Nesta casa entro mas não adoro pau nem pedra mas sim o Deus que tudo governa, Adonai, Deus de Israel” (in Os Criptojudeus da Faixa Fronteiriça Portuguesa, Eduardo Mayone Dias, 1997).
Da mesma forma, outros gestos quotidianos seriam influenciados por esta necessidade de manter afastados os símbolos da religião que lhes fora imposta à força. A cruz (e os crucifixos) era vista pelos cristãos-novos portugueses como um símbolo aziago e, como tal, a evitar a todo o custo. Segundo David M. Gitlitz, professor da University of Rhode Island, no seu livro Secrecy & Deceit: The Religion of the Crypto-Jews, é neste contexto que judeus portugueses forçados ao catolicismo começam a evitar cruzar braços quando apertam a mão a alguém, afirmando que o gesto “dá azar”. O mesmo costume alargou-se também à representação acidental da cruz à mesa, evitando cruzar facas e garfos.
A assimilação dos judeus forçados à conversão, que ocorreu nos séculos posteriores, levou à propagação da prática, tornando-a parte do subconsciente colectivo nacional – chegando mesmo a implantar-se também em algumas regiões do Brasil, onde durante o período colonial existiram comunidades significativas de cripto-judeus, nomeadamente no Recife e na Bahia.
Hoje, ironicamente, o mais católico dos católicos continua a evitar “fazer cruzes” quando aperta mãos, desconhecendo que o gesto surgiu como resistência, e mesmo rejeição, ao catolicismo imposto à força aos judeus portugueses no século XV.