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terça-feira, maio 4

Caricatura de AB Yehoshua da autoria de David Levine, publicada na New York Review of Books

Literatura e Realidade


Descrito uma vez por Harold Bloom no New York Times como “uma espécie de Faulkner israelita”, Avraham B. Yehoshua, professor de Literatura Comparada na Universidade de Haifa, é um dos meus escritores contemporâneos preferidos. No seu último livro, A Missão do Homem dos Recursos Humanos – uma Paixão em Três Actos (Shlichuto Shel Ha-Memune Al Mashabei Enosh), acabado de lançar em Israel (e por enquanto apenas disponível em hebraico), A. B. Yehoshua conta a história de um burocrata israelita encarregue de acompanhar o corpo de Yulia Ragayev, uma emigrante russa morta num atentado suicida em Jerusalém.
Em entrevista ao diário israelita Maariv, Yehoshua fala da génese do romance: “Até agora, acredito que em certa medida, os mortos e feridos têm sido encerrados numa caixa, tanto socialmente como de um ponto de vista literário. Eu quis penetrar esta caixa e examinar o ambíguo sentido de culpa que a cobre: a Direita política sente culpa por causa da nossa impossibilidade de defender as nossas crianças, enquanto a Esquerda sente culpa porque interpreta estes atentados como uma punição. Depois há o facto da grande maioria das pessoas mortas ou feridas nos atentados suicidas serem oriundas de classes desfavorecidas – israelitas pobres e trabalhadores imigrantes.”
Na entrevista, Yehoshua admite que escrevera o seu penúltimo romance, A noiva Liberta, com um maior “sentimento de paz interior”.
“Foi uma tentativa de compreender os árabes, mas não a insanidade dos atentados suicidas. Este novo livro nasceu da própria realidade – da necessidade de enfrentar a realidade, mas não de uma forma sentimental. Foi por isso que escolhi uma mulher sem família, que não tinha ninguém que a chorasse, que não tem nada a ver com o conflito político em questão. Mesmo assim, eventualmente este tipo, que faz parte do sistema burocrático, subitamente sente compaixão e mesmo amor por esta mulher que ele nunca conheceu.”
Yehoshua começou a escrever este romance em 2002, e poucas semanas depois um amigo seu morria num atentado em Jerusalém, e outros dois eram feridos num outro ataque suicida num restaurante em Haifa. “Subitamente tudo estava mais perto, invadia a minha vida. Queria uma maior distância da realidade, mas esta continuava a forçar-se sobre mim.” Membro da chamada “esquerda literária” israelita, ao lado de Amos Oz e David Grossman, nas suas últimas intervenções públicas, ao mesmo tempo que continua a condenar os atentados terroristas palestinianos, A.B. Yehoshua tem apelado ao fim da ocupação e ao desmantelamento dos colonatos.

A Visitar: Haaretz - Shadow play in the twilight zone (recensão do livro) / Talkin' 'bout his generation / Avraham B. Yehoshua (bio) / Yehoshua Interview (Ha’aretz, March 2004) / Abraham B. Yehoshua - Books in Translation / Ideas - A.B. Yehoshua - International Society for the Performing Arts / A.B. Yehoshua: What's the alternative? :: Middle East Information / A B Yehoshua - The Literature of the Generation of the State / Articles by A. B. Yehoshua / Une interview d'A.B. Yehoshua / The Independent : AB Yehoshua: The border guard / A trajetória sefardita em 'O Sr. Máni', de A. B. Yehoshua (Dissertação de Mestrado).

[Em português, existem actualmente apenas dois livros de A.B. Yehoshua no mercado: Shiva e Viagem ao Fim do Milênio, traduzidos por Milton Lando e editados no Brasil pela Companhia das Letras (disponíveis aqui). Em edições agora esgotadas, foram ainda lançados no Brasil os seus romances O Amante (Summus), Senhor Mani (Imago) – o meu favorito – e Cinco Estações (Imago). Em Portugal... nada.]