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terça-feira, maio 18

Poema Temporário do meu Tempo


A escrita hebraica e a escrita árabe vão de Oriente para Ocidente,
A escrita latina, de Ocidente para Oriente.
As línguas são como os gatos:
Não se devem acariciar contra a corrente do pelo.
As nuvens vêm do mar, o vento quente do deserto,
As árvores vergam-se ao vento,
E pedras voam aos quatro ventos,
A todos os quatro ventos. Eles atiram pedras,
Atiram esta terra, um ao outro.
Mas a terra sempre cai na terra.
Atiram terra, querem livrar-se dela.
As suas pedras, o seu solo, mas dela não se livram.
Eles atiraram pedras, atiraram-me pedras
Em 1936, 1938, 1948, 1988,
Semitas atiram pedras a semitas e antisemitas a antisemitas,
Homens reles atiram e homens justos atiram,
Pecadores atiram e sedutores atiram,
Geólogos atiram e teólogos atiram,
Arqueólogos atiram e arqui-hooligans atiram,
Rins atiram pedras e bexigas atiram,
Pedras tumulares e pedras tombadas e corações de pedra,
Pedras em forma de uma boca que grita
E pedras que tapam os olhos,
Como um par de óculos.
O passado atira pedras ao futuro
E todos atiram pedras ao presente.
Pedras que choram e gravilha que ri,
Até Deus atirou pedras na Bíblia,
Até se atirou o Urim e Tumim,
Preso no peito da justiça,
E Herodes atirou pedras e delas se fez um Templo.

Ai, o poema de tristeza empedrada
Ai, o poema atirado às pedras
Ai, o poema de pedras atiradas.
Haverá nesta terra
Uma pedra que nunca foi atirada,
E nunca construida e nunca virada
E nunca destapada e nunca descoberta
E nunca gritada numa parede e nunca relegada por pedreiros
E nunca fechada sobre uma campa e nunca posta debaixo de amantes
E nunca transformada em pedra angular?

Por favor, não atirem mais pedras,
Estão a empurrar a terra,
A Santa, toda, e aberta terra,
Estão a empurrar a terra para o mar
E o mar não a quer
O mar diz, não em mim.

Por favor atirem pedras pequenas,
Atirem fósseis de caracóis, atirem cascalho,
Justiça ou injustiça das pedreiras de Migdal Tsedek,
Atirem pedras suaves, atirem nuvens doces,
Atirem pedra calcária, atirem barro,
Atirem areia da praia,
Atirem poeira do deserto, atirem ferrugem,
Atirem solo, atirem vento,
Atirem ar, atirem nada
Até as mãos se cansarem,
Porque a guerra cansa
E até a paz será cansada
e será.

Yehuda Amichai (1924-2000), poeta israelita.