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quarta-feira, maio 12

Tortura, Humilhação e Ódio


Tortura e Humilhação Há 10 anos, sentado no chão da mesquita de Regent’s Park, em Londres, assisti a várias reuniões de extremistas islâmicos, resultado de um trabalho que haveria de escrever para a Grande Reportagem. Depois de meses de aproximação e conversas, Farid Kassim, um dos líderes britânicos do Hizb ut-Tahrir – e homem-de-mão do sheikh Omar Bakri Muhammad, o auto-proclamado "porta-voz" de Osama bin Laden no Reino Unido –, confiara em mim o suficiente para me deixar entrar e fotografar “círculos de discussão”, uma espécie de reuniões fundamentalistas de recrutamento organizadas na mesquita pelo Hizb ut-Tahrir, logo a seguir às orações de sexta-feira.
Farid Kassim, com pouco mais de 30 anos na altura, falou comigo sentado numa cadeira de rodas pintada de um vermelho vivo. Os seus olhos azuis, claros, uma herança britânica por parte da mãe, eram intensos e provocavam em mim um inexplicável sentimento de desconforto.
“O Islão não é uma religião de paz. O Corão tem centenas de versículos que apelam à guerra e à vingança”, disse-me ele com um sorriso, acrescentando um chorrilho de frases que destilavam um ódio primário contra os judeus. Anos mais tarde, em Los Angeles, Haidar, um amigo sufi (صوف), havia de me mostrar o oposto – um Islão de paz e contemplação, de respeito pelo outro e pela vida. Pessoalmente, confio muito mais em Haidar do que em Farid Kassim. Mas é a visão deste último que prevalece nas notícias e nas imagens cruéis que me entram agora pela casa dentro.
Hoje, a 10 anos de distância, é impossível olhar para as tardes que passei na mesquita de Regent’s Park com Farid Kassim, e com o vespeiro de terroristas do Hizb ut-Tahrir, sem que me sinta invadido por um intenso sentimento de impotência e angústia.
Abu Musab al-Zarqawi – braço direito de Osama bin Laden no Iraque –, o alegado carrasco que degolou e decapitou Nick Berg, foi originalmente membro do Hizb ut-Tahrir na Jordânia. Khalid Sheikh Mohammed, o número dois da al-Qaeda, foi também membro do Hizb ut-Tahrir no Egipto, tal como Omar Ahmad Saeed Sheikh, o responsável pela morte do jornalista Daniel Pearl, há dois anos, no Paquistão.
Tal como Daniel Pearl, Nick Berg era judeu. Teria o seu judaísmo – provavelmente mais do que a cidadania americana – alguma coisa a ver com a morte brutal sofrida às mãos de al-Zarqawi? A semântica destes ódios parece fornecer uma resposta insofismável.
Muito se tem falado da divulgação de imagens chocantes e dos fins que estas servem. É certo que há diferenças.
As da prisão de Abu Ghraib, degradantes e nojentas, desencantadas pelo brilhante trabalho jornalístico de Seymour Hersh, provocam investigações e debates inquestionavelmente necessários no seio de uma sociedade que há muito se habituou a esmiuçar os seus lados negros. Uma sociedade onde há muito existem também consequências para os que transgridem.
As outras, da decapitação de Nick Berg, são divulgadas para promoção de ódio e vingança (tal como estas), por quem recusa assumir responsabilidades, para quem a culpa é sempre do “outro”, seja ele quem for. Estas imagens são agora recebidas por alguns com pitadas de “relativismo moral”. O mal justificado pelo mal. O “é horrível, mas...”. O argumento utilizado pelos terroristas é assimilado por um discurso que, de certa forma, o legitimiza. Abu Ghraib compensado pela cabeça decepada de Nick Berg erguida frente às câmaras. A lógica do abismo.