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quarta-feira, junho 9

Silêncio, em 899 caracteres


Professor Sousa FrancoÉ de longe que vou lendo as notícias da campanha eleitoral para as europeias. De muito longe. Uma lonjura que os mapas me garantem ser de 9133 quilómetros. Quem alguma vez viveu longe, sabe que existe uma tendência natural para romantizar as memórias que restam do país, de olhar para trás com óculos rosados postos na cara, de esquecer convenientemente as misérias de Portugal. Mas há sempre alturas em que a realidade nos dá um soco no estômago.
Foi assim com a notícia da morte do professor Sousa Franco e das circunstâncias que a rodearam. A ela juntam-se os insultos que marcaram a campanha e os elogios post mortem que agora jorram – manifestações típicas da cultura da irresponsabilidade que teima em dominar o quotidiano nacional. Ninguém assume nada. Ninguém se responsabiliza pelas suas palavras ou actos. Às vezes, o respeito devido a quem morre é melhor servido pelo silêncio.
ADENDA: Morte em Campanha: Um Exemplo Americano

Morto em Campanha: Senador Paul Wellstone, 1944-2002Dois anos depois de ter considerado a hipótese de se candidatar à presidência dos Estados Unidos, a 27 de Outubro de 2002, a menos de cinco dias das eleições legislativas americanas, o senador democrata Paul Wellstone morreu num acidente de avião que vitimou também Sheila, a sua mulher, e a sua filha Marcia. Filho de emigrantes judeus russos, Wellstone, um professor de Ciência Política, era um dos mais emblemáticos senadores da chamada “ala progressista” do Partido Democrata. Paul Wellstone era também um caso quase único na política americana – foi eleito directamente para o Senado, em 1991, pelo estado do Minnesota, sem nunca ter exercido qualquer cargo público. Nas eleições de 2002, a sua vitória eleitoral sobre o opositor republicano, Norm Coleman, era tida como certa.
O desaparecimento de Paul Wellstone, daquela forma trágica e a poucos dias das eleições, abalou fortemente as estruturas do Partido Democrata, que em 2002 contava reconquistar a maioria no Senado. A campanha eleitoral é suspensa.
Para substituir Wellstone, em cima da hora, o partido decide nomear o prestigiado veterano Walter Mondale – que exercera as funções de vice-presidente de Jimmy Carter –, ele próprio um ex-senador. Ao mesmo tempo, cometem um erro estratégico que viria a revelar-se irreversível.
Os democratas organizam um “comício de homenagem à memória” de Paul Wellstone, com figuras nacionais do partido, entre eles Bill e Hillary Clinton. Mas o comício transforma-se em mais do que um simples exercício de homenagem: os oradores fazem emocionados apelos ao voto no Partido Democrata em nome da memória de Paul Wellstone.
Na noite eleitoral, quando os resultados revelaram a vitória inesperada e surpreendente do republicano Norm Coleman, e a derrota de Walter Mondale, os analistas pegaram nas sondagens realizadas à boca das urnas pelo consórcio das agências noticiosas e cadeias de televisão americanas. A resposta não podia ser mais clara: o eleitorado sentira que os democratas tinham feito “chantagem emocional”. Com Wellstone fora do boletim de voto, os eleitores do estado do Minnesota acabaram por punir a estratégia dos democratas. E para isso bastara-lhes a percepção de que existira um “aproveitando” da morte de Paul Wellstone para retirar dividendos eleitorais.