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quarta-feira, julho 21

Barreira de Segurança III (O Outro Lado do Muro)


A oposição europeia à construção da barreira de segurança israelita – vulgo “Muro da Cisjordânia” – tem sido, na sua esmagadora maioria, conduzida de forma pueril. A contestação é, em regra, formulada em torno de uma simplista “aversão a muros”. Acredito na necessidade da construção da barreira por ser uma solução defensiva contra os atentados terroristas, com a vantagem acrescida de acelerar a retirada da presença militar israelita dos territórios ocupados. A minha discordância pessoal resume-se ao traçado escolhido pelo gabinete de Ariel Sharon. Que se conteste o traçado, que se exija a sua construção nas fronteiras pré-1967, mas uma contestação circunscrita a uma qualquer “murofobia”, neste caso particular, é perfeitamente irrelevante.
Pessoalmente, ao discordar do traçado actual, discordo também que a barreira, tal como ela actualmente se apresenta, possa vir a ser usada como demarcação permanente ou como linha de fronteira. Mas até a própria Direita israelita reconhece isto mesmo. Num artigo de opinião publicado na semana passada no New York Times (ver The New York Times – Opinion: Why Israel Needs a Fence), Benjamin Netanyahu escreveu:

“(…) A fence can always be moved. Recently, Israel removed 12 miles of the fence to ease Palestinian daily life.”
E aqui as instituições israelitas têm funcionado – o Supremo Tribunal de Israel, por exemplo, decretou recentemente que o traçado do muro em diversos pontos (inclusive em Jerusalém) era ilegal, ordenando que futuros traçados tenham em conta primariamente aspectos humanitários e de qualidade de vida da população palestiniana.
É preciso também esclarecer que a barreira de segurança não é uma invenção da Direita e de Sharon. A sua construção é apoiada de forma quase generalizada também por partidos à esquerda dos trabalhistas (העבודה), como por exemplo o Meretz (מרצ) – ligado ao movimento pacifista Paz Agora (ver Peace Now Positions - In Favor of a Fence on the Green Line - Against Sharon's Fence) – e por personalidades emblemáticas da Esquerda israelita, como Yossi Belin, um dos arquitectos da iniciativa de paz de Genebra. A grande diferença de opinião entre a Esquerda e a Direita israelitas não tem a ver com a construção ou não do muro, mas sim com o seu traçado. Na minha opinião é aqui que a contestação internacional devia ser centrada – e de uma forma construtiva.
Uma das mais potentes armas de propaganda que Ariel Sharon possui em termos domésticos é uma versão do nosso bem conhecido “orgulhosamente sós”. Uma espécie de “ninguém quer saber de nós, ninguém se importa que nos matem” – um discurso que justifica medidas que de outra forma seriam injustificáveis. E decisões como a do Tribunal Internacional ou moções como a de ontem adoptada pela Assembleia Geral da ONU servem apenas para reforçar essa percepção de isolamento (basta ler a reacção no Maariv International).
Esta lógica de oposição, o “contra o muro pelo muro”, é absolutamente contraproducente. Acima de tudo, é prejudicial para os palestinianos, porque legitima a narrativa da Direita israelita, a da lógica “securitária” centrada unicamente no terrorismo, o que lhes permite minimizar o sofrimento palestiniano. Neste quadro, é o terrorismo palestiniano que se torna central do ponto de vista israelita, não os territórios, os desalojados, os postos de controlo, o desemprego.
A barreira de segurança demonstrou já possuir a capacidade de bloquear a livre circulação de terroristas. E se os israelitas não estão sob o estado de choque de atentados constantes nas ruas, nos autocarros e nos cafés, ser-lhes-à impossível ignorar por muito mais tempo as terríveis condições em que os palestinianos são obrigados a viver sob a ocupação militar. Uma imensa manifestação em Tel Aviv realizada em Maio passado, que juntou 200 mil israelitas em nome da paz, prova esta tese.
Mais uma vez no caso do conflito israelo-palestiniano, as percepções da opinião pública europeia são novamente guiadas maioritariamente por um jornalismo irresponsável e preguiçoso. A imagem do “muro” (aqui insisto nas aspas), é dada por inúmeras fotografias de uma imensa barreira de betão, isto apesar da “imensa barreira de betão” constituir apenas uma ínfima parcela da barreira de segurança – a maior parte da qual é constituída por uma cerca simplificada, com portões que permitem a circulação em ambas as direcções. Apesar de tudo, prevalece a imagem do muro de betão, construído apenas em zonas urbanas.


As duas faces do “Muro da Cisjordânia”.
Apenas uma prevalece nos media europeus.

Quando acima referi que, em vez de pontificar com medidas não vinculativas e condenações de circunstância de cariz marcadamente político, que acabam por fortalecer o complexo isolacionista de Sharon, a comunidade internacional deveria agir “de forma construtiva”, queria com isto dizer que se deviam apresentar contrapropostas concretas. A ONU, ou mesmo a União Europeia, poderia, por exemplo, propor custear parcialmente a construção da barreira de segurança israelita ao longo de um traçado internacionalmente acordado, que poderia muito bem ser o grosso da fronteira pré-1967 (ver Six-Day War - Wikipedia), com algumas alterações demográficas que não colidissem com as pretensões territoriais palestinianas.
Outra medida construtiva seria congregar países vizinhos com responsabilidades históricas, como a Jordânia e o Egipto, em programas de assistência às populações de Gaza e da Margem Ocidental – tanto no campo da segurança como da educação e saúde.
Muitos têm comparado a barreira de segurança de Israel ao Muro de Berlim. Mas o contraste não podia ser maior. Em Berlim, o muro foi construído em 1961 como barreira repressiva, para restringir os movimentos dos cidadãos da parte oriental da cidade e impedir saídas e deserções. Em Israel, a barreira é agora construída para servir de defesa à infiltração de terroristas – e não para impedir saídas, como refere o meu amigo José no seu Guia dos Perplexos.
Podem continuar a chamar-lhe muro, mas acredito que uma comparação mais ajustada pode ser encontrada com um recuo na história. Muralha – e não muro – será a palavra mais adequada. Muralha, tal como a Grande Muralha da China. E tal como a Muralha de Jericó, poderá também um dia ser derrubada. Não por armas nem pelo som estridente do shofar, mas simplesmente quando sararem as feridas e as memórias se diluirem. Mas, para já, a separação pode muito bem ser a única solução viável para a existência de dois estados livres, independentes e seguros.
Como escreveu David Makovsky, director do Project on the Middle East Peace Process (ver A Defensible Fence: Fighting Terror and Enabling a Two-State Solution), do Washington Institute for Near East Policy: “Israelitas e palestinianos terão de se sentar à mesa das negociações para resolver os seus problemas. Uma vez que essas negociações são improváveis por enquanto, todavia, uma barreira bem construída poderá servir como medida temporária. Dados os traumas que ambos os povos têm sofrido, especialmente nos últimos três anos, separar agora israelitas e palestinianos é a única forma de os aproximar no futuro”.

A LER : Haaretz - Israel News - The separation fence / PESC-IL-PeaceNow / שלום עכשיו / Peace Now / שיר לשלום - A Song for Peace / Meretz - Wikipedia / Yachad - Wikipedia / Geneva Accord - Wikipedia / Israel Security Fence - Ministry of Defense / Seattle Post-Intelligencer - Arab bomb victim backs West Bank barrier / A Defensible Fence: Fighting Terror and Enabling a Two-State Solution.