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sexta-feira, julho 23

Nunca Mais!


Em 1915, Henry Morgenthau, embaixador dos Estados Unidos em Constantinopla, respondeu às deportações e massacres da minoria arménia turca apelando a Washington para que condenasse oficialmente a Turquia e pressionasse a Alemanha, então aliada aos turcos. Morgenthau desafiou ainda as tradições diplomáticas protestando em nome pessoal contra as atrocidades, denunciando o regime turco e recolhendo fundos para ajuda humanitária às vítimas. A ele juntou-se o ex-presidente americano Theodore Roosevelt, que foi mesmo mais longe, apelando à Administração de Woodrow Wilson para entrar na Primeira Guerra Mundial e por cobro aos massacres pela força. Mas os Estados Unidos apegaram-se à sua neutralidade e insistiram que as questões internas da Turquia não lhe diziam respeito. Cerca de um milhão de arménios foram assassinados ou morreram de doença ou fome durante o genocídio.
Raphael Lemkin, um judeu polaco especialista em Direito Internacional, avisou o mundo das intenções de Hitler na década de 1930, mas foi ridicularizado. Depois de encontrar refúgio nos Estados Unidos em 1941, não conseguiu encontrar apoio para medidas diplomáticas que protegessem os judeus em perigo.
Sem se deixar desencorajar, Lemkin inventou a palavra “genocídio” e assegurou a aprovação do primeiro tratado sobre direitos humanos das Nações Unidas, dedicado a banir o novo crime. Tristemente, ele viveria para ver a convenção sobre o genocídio ser recusada pelo Senado dos EUA. William Proxmire, um quixotesco senador americano do estado do Wisconsin, assumiu a causa de Raphael Lemkin e efectuou 3211 discursos no plenário do Senado apelando à ratificação do tratado da ONU. Após 19 anos de monólogos diários, Proxmire conseguiu que o Senado aceitasse aprovar a convenção sobre o genocídio, mas a ratificação americana continha tantas cautelas que a sua força era praticamente nula
.”
Retirado do prefácio do livro “A Problem From Hell – America and the Age of Genocide”, de Samantha Power.

Ao anunciar a solução final aos seus oficiais, assegurando que no futuro ninguém se recordaria dos judeus, Hitler terá dito: “Quem se lembra hoje do que aconteceu aos arménios?”.
A memória colectiva tende a ser demasiado curta em alturas cruciais. Já depois da ONU ter reconhecido oficialmente o genocídio como crime contra a Humanidade, o mundo voltou a repetir o colectivo encolher de ombros face ao Camboja – onde os Khmer Vermelhos de Pol Pot mataram mais de dois milhões de pessoas em dois anos –, a Timor Leste, à Bósnia e ao Ruanda. Agora, a História volta a repetir-se em África com a tragédia de Darfur.
Sobre Darfur, Samantha Power escreveu no início de Junho: “Cerca de 30 mil pessoas foram já assassinadas, e perto de milhão e meio foram vítimas de limpeza étnica, afastados das suas aldeias e terras de cultivo. Centenas de milhar foram encurraladas em campos de concentração, patrulhados por milícias janjaweed, apoiadas pelo governo, que violam mulheres e matam os homens que tentam sair em busca de comida para as suas famílias. Outros vagueiam pela região sem alimentos nem água. Entretanto, Khartoum tem bloqueado e manipulado a ajuda alimentar internacional.
A crise humanitária de Darfur – o genocídio e a limpeza étnica que vitima a sua população negra– tem sido amplamente documentada (ver Darfur Humanitarian Emergency - Satellite Images), mas a reacção lenta e parcimoniosa da comunidade internacional parece provar uma vez mais o absoluto fracasso das suas instituições – especialmente daquelas criadas para evitar situações assim.
Ironicamente, os Estados Unidos foram o primeiro país a reagir aos acontecimentos, tentando por em marcha as pesadas roldanas da burocracia diplomática da ONU. Mas é claro, depois do fiasco do Iraque, das armas de destruição maciça que nunca existiram, do unilateralismo de Bush, da arrogância de Rumsfeld, ninguém lhes deu ouvidos. Só agora se começa a acordar.
Na semana passada, na campanha presidencial americana, John Kerry não mediu palavras em relação aos eventos de Darfur: “Esta Administração tem de se deixar de ambiguidades. Estas atrocidades apoiadas pelo governo sudanês têm de ser classificadas pela sua designação correcta – genocídio. O governo do Sudão e o povo de Darfur têm de perceber que os Estados Unidos estão prontos a agir, em harmonia com os nossos aliados e a ONU.
No que diz respeito à opinião pública, a maior crise humanitária da actualidade continua ignorada. Na blogosfera portuguesa, Francisco José Viegas, no Aviz, e Bruno Sena Martins, no Avatares de um Desejo têm rompido o silêncio, chamando a atenção para a catástrofe com posts bem reflectidos. Mas é preciso mais.
Há poucos meses, em casa dos meus sogros, a família debruçou-se em redor de uma pilha de álbuns, daqueles com fotos amarelecidas de gente com roupas e penteados de outros tempos. Eram avós, tios, tias, primos e primas. A maioria sorria invariavelmente para a câmara, com expressões agora suspensas no tempo. Os sorrisos destes rostos do passado mostravam a despreocupação natural de quem tira um retrato de família, inconsciente dos horrores que se aproximam. Judeus polacos, a esmagadora maioria da família dos meus sogros – os que não tinham já escapado para Israel – morreu no Shoá, em lugares com timbre macabro: Auschwitz, Bergen-Belsen, Buchenwald e Dachau. Vítimas no maior acto de genocídio da História humana, deles apenas restam os fantasmas guardados naqueles álbuns de família. E a memória dos que ficaram. Porque a História, não se devia repetir. Nunca mais!

A LER: Samantha Power: Break Through to Darfur: Combine leverage, internationalism and aid to stop the killing in Sudan / Human Rights Watch - Sudan: Darfur Destroyed / Latest News From Sudan At Sudan.Net / Mathaba News Service - Sudan's Ravines of Death / The Jewish Journal Of Greater Los Angeles - Ethnic Cleansing in Sudan Is Still Genocide / Jewish Coalition for Disaster Relief - Sudan Relief / UJA-Federation of New York: Sudan Becoming a Jewish Issue (JTA) / The Jewish Journal Of Greater Los Angeles - U.N. Failing in Conflict-Resolution Role / Mathaba News Service - Sudan Government Genocide Exposed / allAfrica.com: Sudan [press release]: UK Holocaust Centre Halts For Darfur / In Sudan, Death and Denial (washingtonpost.com) / The New York Times > Opinion > Op-Ed Columnist: Magboula's Brush With Genocide / Activist sees plight of Sudanese refugees / World turns attention to Darfur / Darfur starvation will be televised ... eventually / Muslim killing Muslim in Sudan / A conspiracy of silence on Darfur ... in Beirut / Poynter Online - Sudan: The Untold Story / Estupro é arma de guerra no Sudão / A Problem from Hell: America and the Age of Genocide. A OUVIR: On The Media: Samantha Power on Darfur (formato RealAudio). Aconselho também uma visita diária ao blog Sudan: The Passion of the Present.