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sexta-feira, julho 30

Que Fazer com Este Genocídio?


Estrelas Mortas
Estrelas amortecem nos céus,
aqui na terra morre gente.
O destino dá luz a uns,
e a outros trevas.

Rios unem-se a rios
e juntos vazam no mar.
Mas vidas humanas
extinguem-se em solidão,
sofrimento e amarga tristeza.

Quando uma estrela tomba nos céus,
o seu caminho é resplandecente.
Mas vidas humanas apagam-se
na penumbra da noite.

Peretz Hirshbein (1880-1948), poeta e dramaturgo, judeu russo.


O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou hoje uma versão diluída de uma resolução que dá 30 dias ao Sudão para agir contra as milícias Janjuweed . O texto final (que pode ser lido na íntegra aqui: U.N. Security Council resolution on Sudan) não fala de genocídio e mesmo a branda ameaça de sanções foi retirada para não ferir susceptibilidades. Tudo em nome de um “consenso” que acaba por tornar-se praticamente inócuo. Mais uma vez, a ONU parece demonstrar a sua incapacidade de agir quando devia – quando estão em jogo centenas de milhar de vidas humanas, gente que morre diariamente, hora a hora. Regressam os tristes fantasmas de um passado recente, feito de hesitações, compromissos e pura e simples indiferença.
Num brilhante texto recentemente postado no Aviz, Francisco José Viegas comentava a forma amorfa como a “comunidade internacional” tende a agir em situações similares: “No caso do Sudão, tal como no do Ruanda (e como, será no Zimbabwe, quando a «linha da frente» deixar de apoiar o nazi de Harare) só dez anos depois, ou mais, a ONU revelará a «real dimensão da tragédia», num dos seus relatórios contemporizadores, antes de aceitar que a Síria, Cuba, a Líbia ou talvez o Paquistão presidam à comissão de direitos humanos como moeda de troca. A «real dimensão da tragédia» está ali, em dois milhões de mortos contados no ano passado.
Mais recentemente, num post absolutamente indispensável, o Francisco acrescentava: “A UE salvará a honra, chorará convenientemente, a imprensa lamentará, e a ONU poderá ajudar a enterrar os mortos. A raiva que nos dá.
Reagir à posteriori parece ser uma prerrogativa da ONU. E o remorso tardio parece ser o seu sentimento de eleição.
A 6 de Maio de 1998, em Kigali, a capital do Ruanda, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan reconheceu inacção do mundo perante o genocídio que em 100 dias vitimou 800 mil pessoas: “[...]O mundo deve arrepender-se profundamente perante este fracasso. A tragédia do Ruanda era a tragédia do mundo. Todos nós que nos preocupamos com o Ruanda, todos nós que testemunhámos o sofrimento, desejamos ardentemente ter podido prevenir o genocídio. Olhando agora para trás, vemos sinais que na altura não reconhecemos. Agora sabemos que os nosso actos não foram nem de perto suficientes para salvar o Ruanda de si mesmo, não foram suficientes para honrar os ideais pelos quais as Nações Unidas existem. Não negaremos que, na hora em que mais precisavam, o mundo ignorou o povo do Ruanda [...]” (o texto completo pode ser lido aqui: We Will Not Deny That, in Their Greatest Hour of Need, The World Failed the People of Rwanda).
Bill Clinton, então Presidente dos Estados Unidos, foi também a Kigali pedir desculpas: “[...]A comunidade internacional, juntamente com as nações de África, tem de reconhecer a sua parte de responsabilidade pela tragédia. Não agimos de forma suficientemente rápida assim que as matanças começaram. Não devíamos ter permitido que os campos de refugiados se tornassem abrigos para os assassinos. Não chamamos imediatamente estes crimes pelo seu nome verdadeiro: genocídio. Não podemos mudar o passado. Mas podemos e devemos fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para vos ajudar a construir um futuro sem medo e cheio de esperança[...]” (texto completo: Clinton Presidential Center: "Speech by President to Genocide Survivors").
Confrontados agora em Darfur com a repetição de um triste, e vergonhoso, ciclo da história recente, qual é o nosso papel – nós, cidadãos anónimos de um planeta cada vez mais interdependente?
Num email que enviei esta semana a centenas de bloggers, apelei à publicação de posts sobre a catástrofe humanitária e o genocídio que decorre no Sudão. A resposta superou, pela positiva, todas as minhas expectativas, traduzindo a existência de um sentimento comum que ultrapassa (na maior parte dos casos, com algumas notórias excepções, é certo) as habituais fronteiras de divisão política e mesmo geográfica. Nesse email, escrevi: “Pode ser muito pouco, pode até ser verdade que individualmente todos os nossos esforços possam valer quase nada. Mas o preço do silêncio é demasiado elevado quando temos diante de nós um meio de comunicação com um potencial tão elevado.
O progressivo aumentar de visibilidade da situação em Darfur junto da opinião pública é um primeiro passo que considero fundamental. Mas é preciso mais.
Recebi várias sugestões acerca do que poderíamos fazer agora com esta nova consciência colectiva.
Marco Oliveira, do excelente Povo de Bahá, propõe o envio de emails em massa. Primeiro aos nossos amigos. Depois aos responsáveis políticos. Este princípio não é novo e tem vindo a ser utilizado há mais de 40 anos pela Amnistia Internacional – curiosamente a Amnistia Internacional nasceu, em 1961, como consequência de uma notícia lida num jornal britânico pelo advogado Peter Benenson. A notícia falava de dois estudantes portugueses detidos em Lisboa depois de terem brindado à Liberdade.
Aqui vai a proposta de texto apresentada pelo Marco Oliveira:

A maioria de vocês talvez se recorde que quando se deram os massacres em Timor os nosso emails entupiram o servidor da Casa Branca, contribuindo de alguma forma para resolver essa crise. Neste momento há outra crise ainda mais grave e para a qual podemos contribuir.
Está a acontecer um genocídio no Sudão. As milícias Janjuweed, apoiadas pelo governo sudanês, têm bombardeado e massacrado as populações negras do Darfur. Destruíram colheitas e envenenaram poços. Agora impedem o fornecimento de ajuda humanitária.
Cerca de 130 países (incluindo Brasil e Portugal) assinaram uma Convenção Internacional em que se comprometem a agir para impedir actos de genocídio em qualquer parte do mundo. Por este motivo hesitam agora em usar a palavra “genocídio” neste caso.
Cerca de 1000 pessoas morrem todos os dias no Dafur; o número total de mortos poderá atingir 1 milhão. O tempo é o nosso pior inimigo. Dentro de alguns meses a doença e a morte terão feito o seu trabalho. Temos de agir agora.
Apenas uma intervenção internacional para proteger civis e assegurar a distribuição da ajuda humanitária poderá salvar o povo do Dafur. Por este motivo, e à semelhança do que se fez no caso de Timor, sugiro que se envie o seguinte email aos nosso políticos instando-os a tomar posição.
Por este motivo, sugiro que enviemos aos nossos dirigentes políticos o seguinte email:

Venho por este meio apelar a Vossa Excelência para que encoraje todos os governos europeus e as Nações Unidas a intervir imediatamente no Darfur (Sudão) com o objectivo de proteger os civis e garantir a distribuição de ajuda humanitária naquela província.
Neste planeta somos um só povo, e a vida de cada ser humano tem o mesmo valor. O extermínio em massa de seres humanos é um crime contra a Humanidade. A Comunidade Internacional tem a responsabilidade de proteger os direitos fundamentais de todas as pessoas. Quando um governo massacra parte da sua população, então a Comunidade Internacional tem o dever e a obrigação de intervir.
Durante muito tempo, permitiu-se que estes crimes ficassem impunes. Há cerca de 10 anos não houve uma acção atempada para impedir o genocídio no Ruanda. Agora, no Dafur, ainda estamos a tempo de impedir uma tragédia maior. Mas a acção tem de ser imediata.


Agradeço desde já as suas acções e iniciativas sobre este assunto.


(Para quem preferir uma versão menos uniforme, ou em inglês, um guia para redacção de cartas aos políticos pode ser encontrado aqui – Letter writing guide - Amnesty International)

Alguns contactos para onde este email pode ser copiado e enviado:

Portugal
Correio Electrónico para o Presidente da República / Governo / Assembleia da República: Contactos dos Deputados

União Europeia
Gabinete da Presidência da Comissão Europeia – Romano Prodi/José Manuel (Durão) Barroso / Contacto da Presidência Holandesa / High Representative for the Common Foreign and Security Policy (CFSP) Javier Solana – (assistentes/ porta-voz: Luís Amorim e Cristina Gallach) / EUROPA - ECHO - Contact us (Gabinete de Ajuda Humanitária) / Group of Policy Advisers – Foreign Policy / Comissão Europeia – Representação em Portugal / EUROPA - Europe Direct

Brasil
Presidência da República (escrever ao cuidado do Presidente) / Governo / Fale com o Governo / Ministério das Relações Exteriores, Divisão da África - II / Ministério das Relações Exteriores, Divisão da África - I

Angola
Ministério das Relações Exteriores (escrever ao cuidado de Sua Ex.a João Bernardo de Miranda) / Presidência da República de Moçambique, Gabinete de Imprensa / Ministro da Comunicação Social (escrever ao cuidado de Sua Ex.a Pedro Hendrick Vaal Neto)

Cabo Verde
Gabinete de Imprensa do Primeiro Ministro

Timor Leste
Gabinete do Presidente / Gabinete do Primeiro-Ministro / Ministério dos Negócios Estrangeiros

A LER: The New York Review of Books: Disaster in Darfur / Zackary Sholem Berger - "The UN and Darfur" / Darfur conflict - Wikipedia / Ambassador Danforth: Statement on the Situation in Sudan, July 30, 2004 / Sudan: The Passion of the Present: Sudan rejects UN resolution / Sudan: The Passion of the Present: The closed society of Sudan breeds terrorism as well as genocide.

"Mas nunca esqueçam (...), podemos então dizer ao povo do mundo inteiro, quer estejam em África, na Europa Central, ou em qualquer outra parte do mundo, se alguém perseguir civis inocentes e os tentar matar por causa da sua raça, da sua etnia ou da sua religião, e se estiver ao nosso alcance, nós iremos em sua defesa."

Discurso de William J. Clinton, Presidente dos Estados Unidos da América, às tropas da KFOR, Macedónia, 22 de Junho de 1999 (texto completo; Remarks by the President to KFOR Troops in Macedonia)