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quinta-feira, agosto 19


Vozes do Conflito I: Erro e Queda de Arafat


“Quando os Palestinianos se mostram empenhados no processo de paz, um dos seus maiores aliados é a opinião pública israelita. Desfazer esta preciosa aliança foi um dos maiores erros de Arafat.”

Dennis Ross, negociador americano do processo de paz israelo-palestiniano entre 1988 e 2001 e autor do recente livro “The Missing Peace: The Inside Story of the Fight for Middle East Peace”.


A discussão em torno do conflito israelo-palestiniano, para quem está longe do seu epicentro – em Portugal ou no Brasil, como a maioria dos meus leitores, por exemplo –, é muitas vezes enformada por noções preconcebidas e reacções pavlovianas distanciadas. Essa distância, que não é só geográfica, é adensada por coberturas noticiosas que reflectem muitas vezes esses mesmos preconceitos, eternizando um ciclo irreflectido. De fora tendem a ficar as vozes dos que vivem o conflito no seu dia-a-dia. E, com frequência, essas vozes não escutadas são israelitas.
Por isso mesmo, e movido também em parte pela inesperada popularidade deste blog, vou tentar trazer periodicamente à Rua da Judiaria algumas dessas vozes. A primeira é Imshin, o pseudónimo da autora de um blog israelita, reflectido e bem escrito, chamado Not a Fish (provincially speaking). No post que aqui se transcreve, Imshin traduz um sentimento de frustração e impotência que é comum aos israelitas que acreditaram em Oslo e pressionaram o governo no caminho da paz com manifestações de rua constantes. Os que então se manifestaram nas ruas de Tel Aviv sentem-se hoje traídos. Traídos, acima de tudo, por Arafat. Traídos por terem um dia acreditado que o líder da Autoridade Palestiniana estaria de facto interessado em assinar a paz com o seu punho. Os analistas políticos israelitas colocam sob os ombros de Yasser Arafat o ónus do descalabro eleitoral da Esquerda israelita – aqueles que foram os seus parceiros de diálogo.

Orgulho e Preconceito
por Imshin, em Israel

Vi hoje, num canal de satélite de Israel, Casamento Fictício (נישואים פיקטיביים), um filme israelita feito nos anos 80. Somos uma "sociedade racista", e por isso mesmo vemos regularmente nos nossos canais de televisão filmes israelitas que contam as histórias do sofrimento palestiniano, especialmente em canais subsidiados pelo estado. O filme transportou-me a uma época em que, pelo menos para mim, nós estávamos do lado errado; quando os palestinianos eram parte integrante das nossas vidas quotidianas e nós os tratávamos mal.
A situação, tal como é descrita no filme, e os sentimentos de culpa de muitos judeus israelitas, incluindo eu própria, levou-nos às ruas em massa, exigindo mudança. A pressão pública, aliada à segunda intifada (a primeira intifada, na minha opinião, ocorreu entre 1936 e 1939, contra o Mandato Britânico, o actual conflito, esse, não é intifada, é guerra) resultou nos Acordos de Paz de Oslo, e na cedência de uma larga porção dos territórios a uma administração sob Arafat, no caminho para a independência e a criação do estado palestiniano ("sociedade racista", lembram-se?).
Ao ver o filme pude recordar os sentimentos e identificar-me com a mensagem. Pude também perceber a diferença na actual situação dos palestinianos. Eles tiveram uma maravilhosa oportunidade para construir uma vida melhor e pura e simplesmente desperdiçaram-na. Pegaram na nossa boa vontade a atiraram-na às nossas caras, “seus idiotas”.
Hoje eles já não fazem parte das nossas vidas da forma como antes o fizeram. Terroristas sanguinários, de um tipo nunca antes visto, filhos bastardos dos mesmos Acordos de Oslo que supostamente deveriam ter resolvido o problema, forçam-nos a ignorar a maioria dos palestinianos. Outros ocupam agora os empregos que em tempos lhes pertenceram. Não podem já meter-se nos seus Peugeot 404 (o último carro construído para durar uma vida inteira) e ir de Han Younis a Rishon Letzion. Na vida real, os filhos dos trabalhadores de Gaza do filme Casamento Fictício provavelmente nunca viram os novos arranha-céus de Tel Aviv.
Mesmo a prosperidade que os palestinianos viveram durante os anos de Oslo, quando israelitas afluíam em peso à Cisjordânia para comprar tudo, desde mobílias a tratamentos dentários, há muito que se perdeu e ficou esquecida. Desapareceu do dia para a noite, quando decidiram renegar as promessas de abandonar o caminho da violência, atacando Israel no Verão de 2000 na esperança de extorquir assim dividendos mais proveitosos.
Mas eles, estes filhos de Oslo e do terrorismo, possuem algo que os seus pais nunca tiveram. Eles já não são invisíveis. Podem ser vistos como “o inimigo”, mas isso mesmo é um sinal de respeito, não é? E pelo que lhes falta, por razões óbvias, ódio é bem melhor do que escárnio, ou pior, do que indiferença.
E pensado nisto, sou capaz de perceber porque razão os palestinianos preferem a Direita à Esquerda israelita, não importa o que possam dizer frente às câmaras ou aos pálidos europeus idiotas de sandálias Birkenstock que frequentam Jenin e Ramallah. Porque a Direita israelita os encara como adversários, enquanto a Esquerda os vê como miskenim (pobres coitados).
A Esquerda Israelita é motivada por um sentimento de culpa e por pena, e não há nada mais degradante do que ser alvo de pena. Eu também preferiria ser odiada ou temida.

Traduzido e adaptado de um post homónimo de Imshin, autora do blog israelita Not a Fish (provincially speaking).

:: NOTA :: Apesar de pessoalmente não concordar com tudo o que Imshin escreve neste post, acredito que o testemunho é representativo e vale por si próprio. Mais leituras: Na última edição da revista de fim-de-semana do New York Times, o jornalista James Bennet, assina um excelente trabalho de capa, intitulado Sharon's Wars. Numa amostra do que pode, e deve, ser o jornalismo feito para a Internet, o New York Times tem ainda disponível uma notável reportagem multimédia bastante aprofundada sobre as complexidades e desafios da sociedade palestiniana, um trabalho francamente bem feito a não perder, igualmente da autoria de James Bennet.