quarta-feira, setembro 29
Salmo
quem às portas do deserto
se confia à imagem que lhe queima os olhos?
vigia a vida frágil o fogo e a suspeita
nem às portas do indemne nos confiamos
o sangue que tingia a soleira da porta
deixou de nos proteger do Anjo vingador
o dia não é dia a noite não é noite
o veneno do ódio obscureceu o céu
restam-nos as sombras de um deus decepado
num teatro de sombras nos movemos
sabendo que um mundo sem Nome
é insuportável
no niilismo presente revê-se o tohu bohu originário
o vazio absoluto que precedia o mundo
um Deus ex Machina
ronda agora a casa em que a carne e o diabo
nos vigiam, os dentes afiados
retirou-se "Aquele que diz basta"
para não obturar o espaço da liberdade
e de Caim
que continua a descriar o mundo
a que porta encostar a esperança
quando o desastre sufoca'
o instante em que o grito mesmo se abole e precipita?
quando os espelhos se quebram
que deus resiste ainda?
virá o Messias
quando tivermos desesperado da sua vinda
quando a esperança for arrancada ao branco do desejo
para a entregar ao puro possível?
guardarei o nome secreto que meus pais me deram
para a passagem do Anjo
estou sentado sobre um dicionário
a folhear o teu Nome
"abrigo-me à sombra das tuas asas
até que passe a tormenta"
José Augusto Mourão, op (poema inédito)
[Ver nota neste post]