quarta-feira, outubro 13
“A Circulação da Informação”
...ou a Arte das Manipulações
As forças armadas israelitas (FDI) reconheceram ontem que erraram ao acusar a ONU de auxiliar grupos terroristas por alegadamente transportar lança-rockets nas suas ambulâncias (ver notícia completa no Ha’aretz). Um avião não-pilotado, vulgo drone, captara há semanas imagens aéreas de um homem a carregar um longo objecto tubular para dentro de uma ambulância da ONU. O formato e as dimensões do objecto levantaram suspeitas e as FDI apressaram-se a acusar a ONU. Agora, ficou provado que o tal “objecto suspeito” não passava de uma simples maca. O blog Not a Fish posta uma foto retirada do diário Yediot Aharonot (ידיעות אחרונות), na qual um funcionário das Nações Unidas demonstra como as autoridades militares israelitas foram induzidas em erro pela aparência de uma maca dobrada.
No Terras do Nunca, João Morgado Fernandes, com a sua ironia habitual, escreve um post intitulado “a circulação da informação” que merece ser lido com atenção. Digo isto porque o João não é um blogger qualquer. É um jornalista com responsabilidades na secção Internacional de um dos diários portugueses “de referência”.
No seu post, João Morgado Fernandes ridiculariza as acusações e receios israelitas (entretanto já desmentidos), esquecendo que nem tudo é a preto e branco no conflito israelo-palestiniano. A verdade é que a utilização de ambulâncias das Nações Unidas por membros armados do Hamas não é novidade e foi já documentada por diversas vezes.
A foto de cima, que ilustra este post, é retirada de imagens recolhidas nos territórios ocupados por um repórter da agência Reuters a 11 de Maio passado, mostrando um grupo de palestinianos armados a fugir numa ambulância da ONU. Curiosamente, ou talvez não, a notícia na altura não chegou à Europa e o próprio responsável máximo da UNRWA (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East) chegou a reconhecer que era “perfeitamente natural” que a agência da ONU empregasse militantes do Hamas, uma organização terrorista responsável pela morte de centenas de civis. O vídeo da Reuters pode ser visto na íntegra clicando aqui (formato Windows Media).
Como é fácil comprovar, as acusações israelitas das últimas semanas em relação à UNRWA, apesar de se provarem agora infundadas, não apareciam de geração espontânea e eram fundamentadas na experiência de um passado bem recente.
A “circulação da informação”, como lhe chama o João, tem tendência a funcionar em sentido inverso. Basta recordar a forma absolutamente irresponsável como alguma imprensa europeia cobriu o célebre “massacre” de Jenin. O “massacre” nunca existiu, mas dele ficou o mito, atirado desde então como argumento em debates sucessivos sobre o Médio Oriente. Alguns jornais mais responsáveis, como o Guardian, deram-se ao trabalho de tentar perceber a origem do erro e dos preconceitos. Para que se aprenda com o passado, é um texto velho de dois anos que vale bem a pena ler: Guardian.co.uk - How Jenin battle became a "massacre".