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quinta-feira, novembro 4


Four More Years...


Por Nuno Guerreiro, nos EUA

Em 1992, do pódio da Convenção do Partido Republicano que nomeara George H. Bush para concorrer a um segundo mandato, Pat Buchanan, um antigo assessor de Richard Nixon e representante máximo da ala extremista dos republicanos, fez um discurso que ficaria para a história. Candidato derrotado às eleições primárias do partido, Buchanan afirmou que existia “uma guerra cultural em curso pela alma da América”. Segundo ele, o país tinha de ser resgatado às garras das elites de esquerda que, de Nova Iorque e Hollywood, controlavam e suplantavam os valores da “América profunda”.
Agora, 12 anos depois, as palavras de Buchanan ressoam com timbre profético. A estratégia da campanha de reeleição de George W. Bush foi traçada ao milímetro por Karl Rove – um ex-lobbista que nos anos 80, em Washington, teve na sua carteira de clientes nomes como Ferdinando Marcos e Jonas Savimbi. Rove acreditava que Bush só podia ganhar se a base ultraconservadora do partido – composta maioritariamente por cristãos evangélicos – fosse votar. E para isso era necessário motivá-los.
Ainda antes da campanha começar, Bush faria isso mesmo ao propor uma emenda constitucional para proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sabendo de antemão que tal nunca passaria no Senado devido ao complexo processo de revisão constitucional. Mas não era uma emenda na Constituição que ele pretendia – Bush falava ao eleitorado ultraconservador. Mostrava-se como seu defensor. Como o defensor dos “valores morais tradicionais”.
Quem de fora comenta a América, geralmente fala em termos uniformes, diz “os americanos isto” e “os americanos aquilo”. Mas não podia ser mais errado colocar uma etiqueta única num país marcado pela diversidade.
Um olhar pelo novo mapa eleitoral americano mostra um país dividido em dois, uma clivagem entre os estados litorais e os do interior. Entre as megalópoles e a insolaridade.
Mais do que qualquer outro país, os Estados Unidos são feitos de assimetrias, onde os mundos hiper-tecnológicos de Nova Iorque ou Los Angeles coexistem com a falta de saneamento básico nas montanhas de Appalachia ou nos recantos perdidos de Montana. O país de Michael Moore, mas também de Newt Gingrich.
Os resultados eleitorais mostram um país dividido ao extremo: na geografia, nas emoções, nos valores e nos medos. John Kerry venceu em Nova Iorque, na Califórnia em New Jersey. George W. Bush ganhou no “Bible Belt”, nas Carolinas, na Geórgia, no Texas, em Montana.
Os resultados das eleições mostram que Karl Rove estava certo. George W. Bush é uma figura polarizadora. Os ódios que gera à esquerda levaram um grande número de novos eleitores às urnas. Os democratas acreditavam que esta afluência recorde seria suficiente para o derrotar. Mas a estratégia de Rove, ao apelar aos medos mais recônditos da “América profunda” – religiosa, conservadora e receosa de mudanças drásticas – não só anulou a pretensa vantagem do Partido Democrata como a suplantou em estados chave, como a Florida e o Ohio. As sondagens à boca das urnas provam-no: quando interrogados sobre a sua principal preocupação actual, a fatia maior do eleitorado respondeu serem os “valores morais”. Não o terrorismo, nem o Iraque, nem sequer a economia ou o desemprego. Os “valores morais”.
Nestas eleições, George W. Bush apresentou-se ao eleitorado como um “presidente de guerra”. A vitória nas urnas confirma-o. Mas esta não é a guerra no Iraque nem no Afeganistão; não é contra a al-Qaeda nem contra o terrorismo. É a tal “guerra cultural pela alma da América”. E vai durar mais quatro anos.


[Crónica publicada na edição de 5/11/2004 do Semanário Económico]

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