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sexta-feira, novembro 12


Irresponsabilidades






1.) Ontem perdi o Telejornal da RTP1, que me chega aqui a Los Angeles ao meio-dia, via RTP Internacional. Depois de ler na blogosfera vários comentários à cobertura televisiva feita em Portugal à morte de Arafat, decidi ir aos arquivos de vídeo da RTP para ver a emissão de ontem à noite. Com a palavra Muqata atirada abundantemente a cada frase, a notícia dominou o programa. Numa das reportagens apresentadas falava-se da “reacção dos judeus”. As imagens mostravam um grupo de meia dúzia de ultra-ortodoxos – literalmente meia dúzia! – que cantavam e dançavam em Jerusalém.
Para a jornalista que narrava a peça, aqueles senhores, por si, representavam a reacção de todos os judeus à morte de Arafat. Em voz off, a jornalista insistia: “Jerusalém é assim uma cidade dividida. Do lado judeu, a festa. Na parte árabe, o luto.” Ao mesmo tempo, as imagens mostravam um dos ultra-ortodoxos a ser preso por dois polícias israelitas – mas a voz “off” passaria por cima da imagem sem a comentar ou explicar.
Em jornalismo chama-se a isto “folclore”, ou “colorido”. No mundo real tem outros nomes: distorção e irresponsabilidade. Habituados a fazer “reportagens de rua” pelos pretextos mais irrisórios, perguntando a passantes o que pensam sobre isto ou aquilo, os jornalistas da RTP foram incapazes de repetir a fórmula em Israel, limitando-se a regurgitar receitas estereotipadas que em nada representam o que verdadeiramente sente a esmagadora maioria do povo israelita. Com milhares de cafés em Jerusalém e Tel Aviv, a tarefa não seria nada complicada.
Imagine-se o que seria se uma equipa de televisão estrangeira que cobria a morte e o funeral de Francisco Sá Carneiro (este é o primeiro exemplo que me vem à cabeça), falando da reacção da oposição portuguesa, fizesse uma reportagem contendo apenas imagens dos “festejos” e dos foguetes que na altura se lançaram em algumas zonas do país.
O apontamento de reportagem da RTP sobre a “reacção dos judeus” equivaleria a entrevistar meia dúzia membros do “Partido Nacional Renovador” ou da FER para saber o que pensam os portugueses. Falo aqui do discurso dos extremos poder ser encarado como “consenso generalizado”. A percepção do conflito israelo-palestiniano continua assim, em Portugal, a ser enformada em amostras de jornalismo irresponsável.
Para saber realmente como estão a reagir os israelitas – e as opiniões de uma sociedade plural que não pode ser reduzida a um estereotipo extremado –, aqui vai uma sugestão: veja-se o noticiário de ontem da IBA, o canal estatal de televisão israelita. Aqui vão os links directos: IBA Channel 33 - English News Edition / IBA News (hebraico)




2.) A insistência das autoridades francesas em não divulgar as causas da morte de Yasser Arafat é uma atitude de perfeita irresponsabilidade. Ainda hoje, os assassinos do Hamas, e de outros grupos terroristas, continuaram a reiterar a sua “crença profunda” de que Arafat teria sido “envenenado pelos israelitas”, apesar da própria Autoridade Palestiniana ter já desmentido a acusação estapafúrdia. Ao impedir que se conheçam as verdadeiras causas da morte do líder palestiniano, pondo fim a especulações e teorias de conspiração, a França corre o risco de vir a ter sobre si o ónus da eclosão de um novo ciclo de atentados terroristas perfeitamente evitáveis. A manutenção do silêncio francês é diplomática e humanamente irresponsável.