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sexta-feira, dezembro 10


Um Supermercado na Califórnia (1955)



Que pensamentos teus tenho esta noite, Walt Whitman, porque caminhei pelas ruas sob as árvores com uma dor de cabeça consciente olhando para a lua cheia.
Na minha faminta fatiga, e procurando imagens, entrei no supermercado de frutos de néon, sonhando com as tuas enumerações!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazem compras à noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos abacates, bebés nos tomates – e tu, Garcia Lorca, que fazias tu junto às melancias?

Eu vi-te, Walt Whitman, sem filhos, velho merceeiro solitário, apalpando as carnes no frigorífico e olhando os rapazes do supermercado.
Ouvi-te fazer perguntas a cada um: Quem matou as costeletas de
porco? A como são as bananas? És tu o meu anjo?
Vagueei dentro e fora da brilhante pilha de latas seguindo-te,
e a ser seguido na minha imaginação
pelo segurança da loja.
Caminhámos juntos pelos corredores abertos na nossa
solidão ilustre provando as alcachofras, possuindo todas as delícias
congeladas, sem nunca passar pela caixa.

Onde vamos nós, Walt Whitman?
As portas fecham daqui a uma hora.
Em que direcção aponta a tua barba esta noite?
(toco o teu livro e sonho com a nossa odisseia no supermercado e sinto-me absurdo.)
Caminharemos toda a noite por ruas solitárias? As árvores
juntam sombra a sombras, luzes apagadas nas casas, estaremos ambos solitários.
Caminharemos sonhando com a América perdida do amor passando por automóveis
azuis à entrada das garagens, morada da nossa pequena casa silenciosa?
Ah, querido pai, barba grisalha, velho solitário professor de coragem, que América
tinhas tu quando Caronte deixou de puxar a sua balsa e tu desceste numa margem
fumegante e ficaste a olhar o barco a desaparecer nas águas negras do Rio do
Esquecimento?



Allen Ginsberg (1926 – 1997), poeta, judeu americano.

:: Áudio :: O original deste poema pode ser ouvido aqui, lido pelo próprio Ginsberg