<$BlogRSDUrl$>

quinta-feira, janeiro 27


60 anos da Libertação de Auschwitz II



Sempre me chocaram as fotografias. Não só as óbvias. Mas também as outras. As fotografias tiradas antes de tudo acontecer. As fotografias onde rostos sorriem sem ter a mínima consciência do que está para vir. Há algo de perverso em olhar hoje para aquelas caras, cheias de esperanças e de futuros, e saber que nenhum dos seus sonhos se realizou; em olhar para aquelas fotografias de tempos felizes – ou pelo menos “normais” – sabendo de antemão o horrível destino daquelas vidas. Quando digo que as fotografias me chocam não falo de sentidos figurados – refiro-me a uma reacção profundamente física: um nó no estômago, um aperto de maxilar na tentativa de conter lágrimas que começam a turvar a vista.
Já aqui escrevi um dia sobre esta sensação. Há quase um ano, em casa dos meus sogros, debruçámo-nos sobre uma pilha de álbuns de família, daqueles com fotos amarelecidas de gente com roupas e penteados de outros tempos. Eram avó, tios, tias, primos, primas e amigos. A maioria sorria invariavelmente para a câmara, com expressões agora suspensas no tempo. Os sorrisos destes rostos do passado mostravam a despreocupação natural de quem tira um retrato de família, inconsciente dos horrores que se aproximam. Judeus polacos, a esmagadora maioria da família dos meus sogros – os que não tinham já conseguido escapar para Israel – morreu no Shoá, em descampados de província na Polónia, frente a pelotões de fuzilamento, ou em lugares com timbre macabro: Auschwitz, Bergen-Belsen, Buchenwald e Dachau. Vítimas no maior acto de genocídio da História humana, deles apenas restam os fantasmas guardados naqueles álbuns de família. E a memória dos que ficaram.

Ilustração: imagem de Daniel Blaufuks, retirada do documentário Sob Céus Estranhos / Under Strange Skies.

De uma forma estritamente pessoal, sem pretender ser um qualquer “porta-voz de todos os judeus”, gostaria mesmo assim de agradecer profundamente a todos quantos usaram hoje os seus blogs para recordar o 60° aniversário da libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho e os horrores do Holocausto.