terça-feira, dezembro 30
Os Nomes das Coisas,
ou o Regresso à Rua da Judiaria
“Mais importante do que todas as riquezas é a escolha de um nome”
Provérbios (Kethuvim Mishlei) 22:1
A Rua da Judiaria existia há muito na minha geografia de afectos. Muito antes do blog. Muito antes de se sonhar que blogs um dia existiriam. Por coincidência, ou partida pregada pelo destino, a rua da minha infância chamava-se Judiaria – uma pequena e quase escondida rua de Almada, atrás da velha loja Singer e a dois passos do antigo edifício da Câmara e da Sociedade Recreativa Incrível Almadense. No terceiro andar esquerdo do número 24 da Rua da Judiaria aprendi a falar e a andar. Da mesma varanda onde se via uma nesga do Tejo e de Lisboa, olhei eu horas a fio para o jardim da casa da Janeca, o meu primeiro amor. Uma paixão impossível. Ela tinha 11 anos, eu apenas 5.
A minha Judiaria era também um palco de personagens – havia a Dona Delfina, uma rechonchuda senhora que fazia da sua janela um posto de vigia constante; a Carmen, a dona da taberna da esquina, uma trintona, galega e ruiva, que vivia sozinha e punha qualquer bêbado na ordem só com um olhar enviesado; o senhor Arnaldo, o latagão dono do ferro velho, que nós penalizávamos com boladas constantes na montra.
Foi na Rua da Judiaria que conheci Luís de Sttau Monteiro, em casa da Dona Isaura – uma doce velhinha de cabelos imaculados a quem Sttau chamava “mãe”, não porque ela o fosse mas porque assim se transformara quando visitou nas cadeias da ditadura o seu filho verdadeiro, companheiro de cela e de estrada de Sttau – ambos amigos do meu avô Emídio. A Dona Isaura, amiga inseparável da minha avó Maria da Luz, dava-me bolos e chocolates. Sttau alimentou-me com livros uma mão cheia de vezes, numa altura em que a minha insaciável curiosidade adolescente devorava tudo o que apanhasse. “Toma lá puto”, dizia ele de mão estendida.
Relembro agora tudo isto porque me escreveu a Renata, do blog Conversa na Travessa, contando que morara na mesma Rua da Judiaria onde eu crescera. Fomos vizinhos na infância. Agora, vizinhos voltamos a ser na blogosfera. Obrigado Renata por teres escrito!
Depois de muitos anos de ausência, voltei a passar pela Rua da Judiaria em Dezembro de 1998, da última vez que estive em Portugal. As imagens de infância que guardara durante tantos anos desmoronaram aos poucos, quase ao ritmo de cada passo. Lembrava-a como uma quase-avenida, uma rua imensa onde cabia um estádio de futebol onde joguei todos os dias, por entre carros e latões de lixo. Mas não, a Rua da Judiaria sempre foi bem pequena, engrandecida apenas pelos meus olhos de criança.
O senhor Arnaldo do ferro-velho morrera anos antes, contaram-me. Nunca soube se me perdoou o vidro partido da montra, produto de um chuto certeiro que zumbiu sobre a baliza feita de duas pedras da calçada. Também nunca mais soube da Janeca. A casa dela é hoje um restaurante, o Celeiro da Judiaria. Jantei lá na noite de Dezembro em que voltei à Judiaria da minha infância. Aquela que já não existe a não ser na minha memória.
Por tudo isto, o nome deste blog era inevitável. A intersecção perfeita entre a memória, a coincidência e o destino.
A minha Judiaria era também um palco de personagens – havia a Dona Delfina, uma rechonchuda senhora que fazia da sua janela um posto de vigia constante; a Carmen, a dona da taberna da esquina, uma trintona, galega e ruiva, que vivia sozinha e punha qualquer bêbado na ordem só com um olhar enviesado; o senhor Arnaldo, o latagão dono do ferro velho, que nós penalizávamos com boladas constantes na montra.
Foi na Rua da Judiaria que conheci Luís de Sttau Monteiro, em casa da Dona Isaura – uma doce velhinha de cabelos imaculados a quem Sttau chamava “mãe”, não porque ela o fosse mas porque assim se transformara quando visitou nas cadeias da ditadura o seu filho verdadeiro, companheiro de cela e de estrada de Sttau – ambos amigos do meu avô Emídio. A Dona Isaura, amiga inseparável da minha avó Maria da Luz, dava-me bolos e chocolates. Sttau alimentou-me com livros uma mão cheia de vezes, numa altura em que a minha insaciável curiosidade adolescente devorava tudo o que apanhasse. “Toma lá puto”, dizia ele de mão estendida.
Relembro agora tudo isto porque me escreveu a Renata, do blog Conversa na Travessa, contando que morara na mesma Rua da Judiaria onde eu crescera. Fomos vizinhos na infância. Agora, vizinhos voltamos a ser na blogosfera. Obrigado Renata por teres escrito!
Depois de muitos anos de ausência, voltei a passar pela Rua da Judiaria em Dezembro de 1998, da última vez que estive em Portugal. As imagens de infância que guardara durante tantos anos desmoronaram aos poucos, quase ao ritmo de cada passo. Lembrava-a como uma quase-avenida, uma rua imensa onde cabia um estádio de futebol onde joguei todos os dias, por entre carros e latões de lixo. Mas não, a Rua da Judiaria sempre foi bem pequena, engrandecida apenas pelos meus olhos de criança.
O senhor Arnaldo do ferro-velho morrera anos antes, contaram-me. Nunca soube se me perdoou o vidro partido da montra, produto de um chuto certeiro que zumbiu sobre a baliza feita de duas pedras da calçada. Também nunca mais soube da Janeca. A casa dela é hoje um restaurante, o Celeiro da Judiaria. Jantei lá na noite de Dezembro em que voltei à Judiaria da minha infância. Aquela que já não existe a não ser na minha memória.
Por tudo isto, o nome deste blog era inevitável. A intersecção perfeita entre a memória, a coincidência e o destino.
Frei Tomás de Jesus e o Sebastianismo
Não haverá em Portugal nenhum Museu, Fundação ou Biblioteca que compre esta preciosidade? É provável que o leilão acabe sem compradores mas, ao menos, negoceiem depois com o homem! Talvez se fosse um estádiozito...
RTP-Internacional e os Sermões aos Peixes
Depois de uma pausa sabática de largos meses – motivada por frustração e casmurrice (ver RTP Internacional e a frustração de quem mora longe) – decidi ceder e ligar ontem a RTP-I para ver o Telejornal. Apanho a coisa a meio, com José Rodrigues dos Santos a entrevistar um senhor advogado sobre o Caso Casa Pia. Falavam em “termos gerais”, como se o artifício do “supondo que” fosse verdade bíblica e as “hipóteses académicas”, evocadas para contornar o sacrossanto Segredo de Justiça, podessem enganar alguém. Mas não foi isso que me chamou a atenção. O que me saltou à vista foi o tom professoral do advogado/comentador, um senhor de nome Carlos Pinto de Abreu. Falando como se explicasse o mundo às criancinhas, o senhor doutor advogado suava paternalismos e entoava as frases como se desse uma aula a analfabetos. Sem dúvida, pelo menos na entoação teatralizada, Carlos Pinto de Abreu é um digno discípulo da escola de comentário televisivo de José Socrates...
E depois há ainda a lentidão. O arrastar das coisas. Não me consigo habituar aos ritmos do telejornal. Admito que a culpa pode ser apenas e toda minha, e que esteja mal habituado por morar há 10 anos fora de Portugal. Não compreendo a utilidade jornalística de uma peça com imagens de arquivo repetidas à exaustão que apenas repisa aquilo que o pivot dissera segundos antes. Mas é certo que onde vivo, nos EUA, a cultura televisiva assume-se como o reverso dessa mesma moeda, com tudo reduzido a meras sound bites medidas a preceito para caberem em peças televisivas de 30 segundos. Ao contrário das outras coisas da vida, acredito que pelo menos aqui a virtude reside no meio termo entre estes dois extremos.
E depois há ainda a lentidão. O arrastar das coisas. Não me consigo habituar aos ritmos do telejornal. Admito que a culpa pode ser apenas e toda minha, e que esteja mal habituado por morar há 10 anos fora de Portugal. Não compreendo a utilidade jornalística de uma peça com imagens de arquivo repetidas à exaustão que apenas repisa aquilo que o pivot dissera segundos antes. Mas é certo que onde vivo, nos EUA, a cultura televisiva assume-se como o reverso dessa mesma moeda, com tudo reduzido a meras sound bites medidas a preceito para caberem em peças televisivas de 30 segundos. Ao contrário das outras coisas da vida, acredito que pelo menos aqui a virtude reside no meio termo entre estes dois extremos.