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quarta-feira, dezembro 15


Comodoro Uriah Levy retratado segurando na mão direita um pergaminho onde se lê: Autor da Abolição dos Castigos Corporais na Marinha dos Estados Unidos. Autor desconhecido, possivelmente pintado postumamente entre 1870 e 1880

Uriah Levy
O Judeu Português
que Salvou Monticello


Quando Uriah Levy visitou pela primeira vez, em 1825, a vasta propriedade na Virgínia que poucos anos antes pertencera a Thomas Jefferson, o terceiro presidente americano – um homem que ele admirava profundamente –, ficou chocado com o seu estado de degradação. Outrora imponente, Monticello estava virtualmente em ruínas.
Apostado em conservar aquele que considerava ser um marco fundamental da história do país, Uriah comprou Monticello no ano seguinte, restaurando a mansão de Jefferson e abrindo-a ao público. O grande apreço que sentia por Jefferson tinha uma explicação: Uriah Levy era judeu – descendente de judeus portugueses – e a tolerância religiosa que Jefferson imprimira na matriz constitucional americana permitia aos judeus poderem desfrutar na América de uma liberdade que até então nunca tinham alcançado em qualquer outro país.
“Thomas Jefferson foi um dos mais importantes homens da História, que fez tanto para moldar a República de forma a que a religião de um homem não o impedisse de exercer uma carreira pública”, escreveu Uriah Levy.
Considerado um dos mais notáveis heróis dos primórdios da história naval dos Estados Unidos, Uriah Levy tinha sido confrontado durante toda a sua carreira militar – que durou mais de meio século – com um profundo antisemitismo. Quarenta anos antes do oficial do exército francês Alfred Dreyfus ter sido julgado, condenado e eventualmente exonerado em julgamentos que tiveram por base o antisemitismo, Uriah Levy enfrentou perseguições semelhantes nos Estados Unidos. Chamado por seis vezes a responder perante um tribunal militar, foi sempre ilibado, e após o último julgamento foi-lhe concedido o posto de comandante da Frota do Mediterrâneo – a maior da armada americana na época – e elevado ao posto de Comodoro.
Uriah LevyA sua forte personalidade, segundo os seus biógrafos, permitiu-lhe sobreviver ao antisemitismo que na altura reinava na instituição militar. De acordo com os costumes da época, Uriah Levy foi obrigado a defender a sua honra inúmeras vezes, a última das quais em 1816, quando matou em duelo o tenente William Potter por este lhe ter chamado “judeu maldito”.
Vitima de antisemitismo durante toda a sua carreira militar, Uriah Levy nunca se cansou de expressar o seu apreço e profunda admiração pelos ideais de liberdade religiosa defendidos por Jefferson.
Casado com Virgínia Lopes, também ela descendente de judeus portugueses, Uriah Levy nasceu em Filadélfia, em 1792, filho de Michael Levy e Raquel Machado – que seria enterrada em Monticello –, pertencendo a uma longa linha de ilustres judeus portugueses foçados a emigrar para os Estados Unidos. A sua avó materna, Rebeca Machado – tida como uma das matriarcas das primeiras comunidades judaicas norte-americanas – era filha de David Mendes Machado, rabino da congregação Shearith Israel, a sinagoga portuguesa de Nova Iorque. O seu primo, Mordecai Manuel Noah, jornalista, escritor, político e juiz, foi o mais conhecido judeu americano do século XIX e um dos percursores do sionismo, defendendo, no folheto Discourse on the Restoration of the Jews, o regresso dos judeus à Terra Santa meio século antes da realização, em 1879, do Primeiro Congresso Sionista, em Basileia.
Uriah Levy era ainda bisneto de Diogo (Samuel) Nunes Ribeiro, um judeu português nascido em Idanha-a-Nova, em 1668, que para escapar à Inquisição – que o prendera duas vezes em Lisboa sob a acusação de “reconverter cristãos-novos ao judaísmo” – emigrou primeiro para Londres e depois para a América, onde se contaria entre os membros fundadores da cidade de Savannah, na Geórgia. Samuel Nunes Ribeiro era tio de António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), um dos mais destacados médicos e cientistas da época, membro do grupo de intelectuais portugueses exilados na Europa habitualmente designado como “estrangeirados”.
Uriah Levy foi também bastante activo no seio da comunidade judaica luso-americana do século XIX, ajudando a fundar e ocupando o cargo de presidente da Washington Hebrew Congregation e, em 1854, apadrinhando o novo seminário do Instituto Educacional Bnai Jesherun, em Nova Iorque.
Na história da marinha norte-americana, o seu nome ficou intimamente associado a uma cruzada pessoal que moveu pela abolição dos castigos corporais na Armada. Escandalizado com barbaridade dos castigos – era comum marinheiros serem chicoteados por delitos menores –, Uriah Levy fez apelos pessoais aos membros do Congresso para que a prática fosse proibida, chegando a enviar-lhes chicotes desafiando-os para que experimentassem “na própria pele”.
Como tributo à sua carreira militar, em 1959, a Marinha dos EUA concedeu o seu nome à sua mais antiga sinagoga, na base naval de Norfolk, na Virgínia. Durante a Segunda Guerra Mundial, o nome de Uriah Levy foi também dado a um caça-submarinos da Armada americana, o USS LEVY.
Após a sua morte, em 1862, Uriah Levy legou a propriedade de Monticello em testamento “ao povo dos Estados Unidos”.


Raquel Machado (1769-1839), a mãe de Uriah Levy,
e o seu primo Mordecai Manuel Noah (1785-1851)



Uriah Levy, jovem capitão
da Armada dos EUA



Monticello, a propriedade de Thomas Jefferson
(óleo sobre tela, Jane Pitford B. Peticolas, 1827)


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